Antigo Testamento - Profetas

on sexta-feira, 28 de setembro de 2012

MIQUÉIAS: O PROFETA QUE CONDENA OS LÍDERES OPRESSORES DO POVO
Edson Mariano da SILVA*[1]

1 O PROFETA MIQUÉIAS

          Miquéias nasceu em um meio rural, em Morasti, uma vila que pertencia ao reino de Judá situada a 33 quilômetros de Jerusalém (cf. FONSATTI, 2002, p. 24). “Essa localidade se encontrava na Planície, a região mais fértil e produtiva do país. Grande parte de trigo e cevada saía dos campos aí cultivados” (BALANCIN; STORNIOLO, 1990, p. 7). Apesar de sua origem camponesa, sua profecia é dirigida à elite que explorava o povo do campo. No entender de Miquéias o mal estava na cidade, que, aliás, no capítulo 3,12 o profeta irá “considerar a capital, Jerusalém, como o centro das iniquidades de Judá” (cf LODDS, 1959, p. 286, apud AMSLER, 1992, p.121). Apesar de o reino viver um período estável, economicamente falando, pois havia um considerável crescimento comercial, paralelo a esse progresso havia também o forte traço da exploração aos pobres.
        A profecia de Miquéias foi realizada durante o reinado de Joatão, Acaz e Ezequias (cf. Mq 1,1), tendo com base esse fato pode-se dizer que a sua profecia abrangeu um período que vai de 740 a 700 a.C. Também constata-se que ele era contemporâneo a Isaías.
        Miquéias era porta voz dos interesses dos camponeses, mas não era só essa sua preocupação. Segundo Balancim e Storniolo (1990, p. 8), é possível notar outras situações que marcavam a vida do profeta e seus contemporâneos. Pois além da exploração, a região que Miquéias vivia enfrentava o problema da guerra, resultado do interesse de potências vizinhas que cobiçavam as terras férteis de Judá, como a Assíria por exemplo. Outro fator que contribuía para a cobiça era o fácil acesso que a região oferecia para se chegar ao Egito.
        Enfim, “latifundiarismo, impostos, roubo à mão armada, trabalhos forçados, este é o ambiente ao redor do profeta” (SICRE, 2008, p. 276). Quanto a origem de Miquéias, “talvez fosse um pequeno agricultor que perdeu suas terras devido à exploração agrária da casse dominante de Jerusalém. Por isso, seus oráculos são de denúncia da classe dominante de Jerusalém (FONSATTI, 2002, p. 24).

2 O MAL ESTÁ NA CIDADE

        As duas principais cidades condenadas pelo profeta Miquéias são a Samaria e Jerusalém (Mq 1,2-7). “Ele convoca um processo de julgamento, onde personificará a acusação de Deus contra a cidade de Jerusalém, que era o símbolo do povo em aliança com Deus” (BALANCIN; STORNIOLO, 1990, p. 13). Na visão do profeta é preciso que Deus destrua todas as estruturas que ao invés de libertar oprimem, pois o ser humano é mais importante que todas essas estruturas juntas.
        Mesmo assim, apesar dessa constatação em relação à cidade, Miquéias parece se compadecer com a realidade urbana. Ele chega até mesmo a ficar com medo do que irá acontecer com a cidade, em vista disso se compromete com a realidade, faz penitência para que a cidade se converta (cf. Mq 1,8).
        Na profecia de Miquéias percebe-se como era organizada a economia comercial de sua época, com fortes traços de exploração.

Miquéias fustiga os comerciantes que falseiam os pesos e as medidas; constata que, na cidade de Deus, tudo se vende ou se compra, também os profetas, os magistrados e os sacerdotes; Jerusalém se transformou em selva: “cada um persegue seu irmão com a rede; para fazer o bem, o príncipe impõe exigências, o juiz pede gratificação, o notável fala para satisfazer sua cupidez” (Mq 7,3) (AMSLER, 1992, p.125).

        Miquéias tem presente o fato de que os principais responsáveis pela organização da sociedade não cumpriam seu real papel de líderes, pois estavam corrompidos pela ganância incessante de poder e prestigio. Sua profecia é feita a partir desse prisma, o qual o profeta presenciava constantemente na sua vida. Aliás, “parece que Miquéias conhecia muito bem as autoridades civis e religiosas de Jerusalém, porque as julga com muita lucidez e com igual severidade” (AMSLER, 1992, p.122).
        No tocante a cidade também é interessante ver como ela, por ser um centro comercial, tornou-se infiel ao seu Deus.

Miquéias fala de prostituição, e essa palavra nos lembra a infidelidade que se expressa no abandono do marido legítimo para correr atrás de outros amantes. É evidente que o profeta não está criticando as prostitutas, mas toma a prostituição com símbolo da infidelidade para com Javé, uma vez que ela estava ligada aos cultos nos “lugares altos” (BALANCIN; STORNIOLO, 1990, p. 14).

        Como já foi dito anteriormente, Miquéias crítica duramente a posição da cidade, entretanto, seu julgamento não é para todas as pessoas que moram na cidade. “Sua acusação vai contra os chefes e governantes, isto é, aqueles que deveriam zelar pelo direito e pela retidão” (BALANCIN; STORNIOLO, 1990, p. 15, grifo do autor). Esse posicionamento fica evidente a partir do capítulo 3,9-10 do livro de Miquéias.

3 OS QUE ODEIAM O BEM E AMAM O MAL

        O profeta é duro com aqueles que deveriam ser os guias da comunidade e que, no entanto, usam do povo para se enriquecer e ter prestígios. Há no livro uma grave denúncia contra aqueles chefes que oprimem o povo, de modo especial o povo camponês que vive e trabalha no campo.

Para conseguir o que querem, os latifundiários contam com uma estrutura montada para colaborar com eles e usufruir os mesmos interesses. Trata-se das forças políticas, jurídicas, econômicas e religiosas sediadas na cidade, com seus interesses voltados à exploração do campo e dos camponeses. Toda força dos textos está na denúncia explícita que o profeta Miquéias faz para desmascarar os mecanismos que geram a miséria do povo do campo (BALANCIN; STORNIOLO, 1990, p. 23).

        Miquéias lembra que é justamente dever dos chefes das cidades conhecer o direito para ajudar os que mais necessitam. Mesmo assim, há líderes que insistem em odiar o bem e amar o mal (cf. Mq 3,2). A profecia de Miquéias continua atual, visto que em nossos dias há líderes civis e religiosos que usam seu poder para angariar riquezas em beneficio próprio. O povo, como no tempo de Miquéias, fica à margem e explorado. Balancin e Storniolo (1990, p. 24), lembram que, “um governo que enfraquece o povo está diretamente contra sua função, principalmente quando esta lhe foi confiada pelo próprio povo”.
        Vale a pena lembrar que o profeta é um homem que conhece sua realidade, que observa cuidadosamente tudo que acontece ao seu redor. Não faz suas denuncias sem conhecer de fato, sobre o que esta falando. No caso de Miquéias ele dirige sua acusação especialmente a três grupos, isto é, aos chefes, aos sacerdotes e aos profetas. Esses três grupos no entender de Miquéias serão os responsáveis pela ruína de Sião (Mq 3,9-12). Assim se expressa o profeta: “seus chefes julgam por suborno, seus sacerdotes decidem por salário, e seus profetas vaticinam por dinheiro” (Mq 3,11).
        Enfim, o livro do profeta Miquéias é um texto de acusação, especialmente àqueles que preferem o mal e recusam o bem, mas ao mesmo tempo é um sinal de esperança para a nação, especialmente a partir do capítulo quarto.

REFERÊNCIAS

AMSLER, Samuel (et al). Os profetas e os livros proféticos. Tradução: Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1992.


BALANCIN, Euclides M.; STORNIOLO, Ivo. Como ler o livro de Miquéias: um profeta contra o latifúndio. São Paulo: Paulinas, 1990.


BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução de Gilberto Silva Gorgulhos (Coord.) 4 imp. São Paulo: Paulus, 2006.


FONSATTI, José Carlos. O profetismo. Petrópolis: Vozes, 2002.


SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. 3 ed. Tradução: João Luís Baraúna. Petrópolis: Vozes, 2008.





* Aluno do quarto ano de Jornalismo no Seminário Divino Mestre. O presente trabalho foi realizado sob orientação do Pe. Prof. Reginaldo Ghergolet, na disciplina de Antigo Testamento referente aos livros proféticos.

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