A Igreja: elementos originário e de identificação

on quarta-feira, 28 de agosto de 2013


SEMINÁRIO DE TEOLOGIA DIVINO MESTRE
Prof. Pe. Antonio Marcos Depizzoli
Acadêmico: Fábio Antunes. 2° ano de teologia



A Igreja:
Elementos originários e de identificação



“Somos a Igreja do Pão, do pão repartido e do abraço e da paz”

(Pe. Zezinho, Scj).


A Igreja, muito mais do que uma estrutura, é um jeito de ser e estar no mundo. Trata-se, muito especialmente, de uma configuração do coração do homem ao Coração de Deus, que se revela no Coração Jesus.
Recordando as palavras do Apóstolo Paulo, a Constituição Dogmática Lumen Gentium nos ensina: “A todos os eleitos, o Pai, desde a eternidade, conheceu e predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho [...] Assim estabeleceu congregar na Santa Igreja os que crêem em Cristo” (cf. LG. 2).
Temos, portanto, de início, uma premissa fundamental: a Igreja nasce do desejo de Deus. O seu elemento originário por excelência é o desejo amoroso de Deus em congregar os homens numa mesma fé, tendo em vista a salvação de todo gênero humano (cf. LG. 2).
O que é preciso reconhecer e ressaltar, no entanto, é o fato de que não se trata de uma fé qualquer. E sim a fé na pessoa de Jesus Cristo. O Deus feito Homem e entre os homens. É por meio desta fé que a Igreja, que foi “prefigurada desde a origem do mundo”, torna-se claramente manifesta e passa a desenvolver-se continuamente através do tempo e da história, sendo impulsionada cada vez mais pelo Sopro do Espírito.
Podemos nos perguntar, todavia: quando especificamente se inicia o processo de configuração do nosso coração ao Coração de Deus? A resposta a esta questão iremos encontrar muito facilmente nos inúmeros documentos emanados ao longo dos anos pelo Magistério da Igreja. No atual Catecismo da Igreja Católica, por exemplo, podemos ler: “pelo Batismo somos libertados do pecado e regenerados como filhos de Deus, tornamo-nos membros de Cristo, e somos incorporados à Igreja e feitos participantes de sua missão” (nn. 1213). Um pouco mais adiante encontramos ainda: “incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado a Cristo” (nn. 1272). De forma idêntica, na Lumen Gentium, também encontramos: “pelo Batismo configuramo-nos com Cristo” (nn. 7).
O batismo é, portanto, o ponto de partida para a vida com Cristo e em sua Igreja. Os batizados, espalhados por todo o mundo, operam configurados à Cristo e são chamados, a todo instante, a se aperfeiçoarem neste processo que se inicia solenemente no dia em que recebem o santo Batismo. Podemos dizer então, em síntese, que a Fé nos leva ao Batismo e que o Batismo nos configura a Cristo e nos torna membros de sua Igreja.
 Os primeiros a terem os seus corações configurados ao Coração de Jesus foram os “Apóstolos” que com Ele conviveram, e, depois, todos os outros que abraçaram a sua proposta de seguimento. Os doze, de modo mais especial, nos legaram os grandes alicerces para a vida cristã e, conseqüentemente, para a vida da Igreja de Cristo como um todo. Anunciando o Cristo Ressuscitado nos transmitiram o Kerigma. Mostraram-nos que a Ressurreição de Cristo é perene e que nos alcança em nossos dias, nos comprometendo com o bem e, sobretudo, com a construção do Reinado de Deus aqui mesmo entre nós. Conformando suas vidas ao coração e à Palavra do Mestre, ensinaram-nos ainda a “Koinonia” e a “Liturgia”, a vida segundo o Coração de Jesus e seu Evangelho. Vida de fraternidade, de solidariedade, de espiritualidade e de Paz com todos e entre todos. Por fim, no serviço aos mais necessitados, aos pequenos do Reino, nos deixaram a grande lição da “Diakonia”. Com ela, apontaram-nos o caminho que devemos seguir para estarmos, definitivamente, com Aquele que nos chamou à Vida.
Contudo, não podemos nos esquecer da vida e do exemplo dos grandes santos, beatos e mártires que a história já pôde conhecer até aos dias de hoje. Homens e mulheres que, de forma radical, configuraram suas vidas ao Coração de Jesus e que “lavaram suas vestes e alvejaram-na no sangue do Cordeiro” (cf. Ap 7, 14), tornando-se para nós, na atualidade, verdadeiros “ícones de santidade”. Através de cada um deles, podemos ver o que melhor identifica a Igreja de Jesus Cristo. E também, o que melhor nos ajuda a unirmo-nos a ela.
Mulheres como Lindalva de Oliveira, Dulce dos Pobres, Madre Paulina, Nhá Chica, Bárbara Maix, Teresa de Calcutá, a jovem Albertina Berkenbrock e homens como Antonio de Sant’Ana Galvão,  Mariano de La Mata e tantos outros, nos ensinaram, com seus exemplos, que a vida com Cristo é possível. E que a configuração ao seu Coração nos faz Igreja, uma porção santa que crendo firmemente na “comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna”, é constantemente chamada à vida de santidade.
É também por intermédio direto de cada um deles que aprendemos a ser verdadeiramente a Igreja de Cristo que “cresce visivelmente no mundo” (cf. LG. 3), A Igreja do Pão, do pão partilhado e do abraço e da Paz. São, pois, elementos que, dentre tantas coisas, também identificam a Igreja de Cristo: o Pão, a Partilha, o Abraço e a Paz. Os santos, os beatos, os cristãos bem aventurados e os mártires, todos juntos, nos revelam essa verdade.
Sabemos que nossa fé se funda numa Pessoa Viva: o senhor Jesus Cristo. Ele que é o “Pão da Vida” (cf. Jo 6, 35). A cada Santa Missa, o próprio Jesus nos convida à comunhão com Ele. Aproximando-nos de seu santo Altar, comungamos o Pão Eucarístico que é o próprio Jesus. Por isso somos a Igreja do “Pão”. Mas somos também a Igreja do pão que é o alimento de nossas mesas. Comungando o Pão Eucarístico, somos todos inseridos na dinâmica cristã da partilha do alimento. Somos chamados a partilhar o “pão nosso de cada dia”.
Somos também a igreja do Abraço. A Igreja que acolhe junto si todos aqueles que ouviram o chamado de Jesus: “vinde a mim vós todos que estais cansados e Eu vos darei repouso” (cf. Mt 11, 28). Uma igreja que reúne os seus filhos dispersos pelo mundo inteiro, que cria laços entre eles, que promove a reconciliação, que sustenta e que está sempre ao lado de cada um, como verdadeira Mãe que quer ter entre seus braços o filho que tanto ama.
Não obstante a tudo isso, somos ainda a Igreja da Paz. Uma Igreja promotora da Paz em todos os âmbitos da vida e da família humana. Foi o próprio Jesus quem ofereceu-nos sua Paz (Jo 14, 27). Uma Paz diferente daquela que é postulada pelo mundo. Sem falsidade e sem ambigüidades. Uma Paz que promove o bem entre os homens e faz com que todos convivam em harmonia segundo o desejo e o coração de Deus.
Enfim, o mais interessante é perceber que tudo isso não é fruto de uma regra ou de uma lei apenas, mas que brota da própria dinâmica de vida de quem configurou seu coração ao coração de Deus revelado no coração de Cristo. Grandes testemunhas são os homens e as mulheres que, de forma exemplar, souberam viver a fé, a esperança e a caridade.

Quadragesimo Anno


SEMINÁRIO DE TEOLOGIA DIVINO MESTRE
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Prof. pe. Luiz Fernando de Lima
Acadêmico: Fábio Antunes. 2° ano de teologia



QUADRAGESIMO ANNO:
Sobre a restauração e o aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a Lei Evangélica


Para celebrar quadragésimo aniversário de publicação da encíclica social de Leão XIII, a Rerum Novarum, o papa Pio XI, movido pelos sentimentos da mais viva gratidão, a 15 de Maio de 1931, assina e apresenta ao mundo a “Quadragesimo Anno”.
Cônscio de que a encíclica de Leão havia dado a todo gênero humano “regras seguríssimas para a solução do espinhoso problema do consórcio humano”, especialmente no que se refere à questão social, Pio XI julgou oportuno, por meio de uma nova encíclica, recordar os grandes benefícios que advieram à Igreja Católica e a toda a humanidade após a publicação da Rerum Novarum. Da mesma forma, quis ainda, por justiça, defender a doutrina social e econômica ensinada por Leão, apontando, ao mesmo tempo, a raiz do mal-estar social cuja única via para a restauração salutar encontrava-se, segundo ele, na reforma cristã dos costumes.
Num contexto social diferente, embora marcado ainda muito fortemente pela miséria humana, a grande preocupação de Pio XI está relacionada diretamente com a ordem social. Após a grande crise do sistema capitalista no ano de 1929, as nações, sentindo ainda as dores da primeira guerra, se debatem entre o desespero e a busca por meios adequados de se salvaguardar a vida. Tanto do ponto de vista da sociologia como da filosofia, um tempo de “desencanto” é proclamado entre os homens no alvorecer do século XX.
No entanto, na tentativa de superar a negatividade dos fatos, supostos movimentos libertários surgem tendo a sua frente líderes com verdadeiras características messiânicas e com pretensões ambiciosas. É justamente este o tempo em que o mundo passa a conhecer a força dos sistemas totalitários como o fascismo*, o nazismo*, e o franquismo*. Contudo, ao invés de resolver os problemas sociais aos quais estavam envolvidas as nações, estes sistemas acabaram levando os homens à barbárie e ao descontrole total dos rumos da história.
A encíclica de Pio XI insere-se, portanto, dentro deste contexto histórico de incertezas e desilusões. Daí é possível compreender a grande preocupação do pontífice, não somente com as questões relacionadas à economia, mas também com relação à restauração e o aperfeiçoamento da ordem social entre os homens.
A Quadragesimo Anno apresenta-se dividida em três partes principais; a saber: I – Benefícios da Rerum Novarum; II – Autoridade da Igreja na questão social e econômica; III – Notáveis mudanças desde a encíclica de Leão XIII.
Os principais temas abordados são os seguintes: “o direito de propriedade” (nn. 44-48); “a função do Estado como órgão regulador das relações entre propriedade, proprietário e sociedade” (nn. 49-52); “capital e trabalho” (nn.53-56); “a justa distribuição dos bens” (nn. 57-58); “o justo salário” (nn. 63-75); a restauração da ordem social (nn. 76-80); “a harmonia entre as diversas profissões” (nn. 81-87); “a justiça e a caridade como princípios diretivos da economia” (nn. 88-90); “a organização dos sindicatos” (nn. 91-96); “a evolução da economia e a evolução do socialismo” (nn. 99-125); e, por fim, “a reforma dos costumes” (nn. 126-147).
Os cinco primeiros temas apontados acima já haviam sido abordados anteriormente por Leão XIII, na Rerum Novarum. No entanto, eles reaparecem na encíclica de Pio XI com o propósito de elucidar melhor e até mesmo aprofundar a doutrina social que verteu, abundantemente, do Evangelho e da reflexão do “primeiro dos modernos”.
 Os outros seis temas que se seguem, no entanto, aparecem com um caráter de novidade em relação à encíclica de Leão XIII.
A preocupação com a restauração da ordem social, na Quadragesimo Anno, surge justamente em contrataste ao problema social desencadeado pelos desacertos históricos que se sucederam, sobretudo, após a crise do sistema econômico capitalista e a forte tendência da sociedade para a instalação dos sistemas de governos totalitários.
Sobre o tema da harmonia entre as diversas profissões, é preciso compreendê-lo sob a perspectiva da harmonia social que também aparece na Rerum Novarum. No entanto, o notório acirramento do individualismo nas sociedades de economia predominantemente capitalistas faz com que o pontífice também se preocupe em postular uma nova forma de relação social cujo principio fundamental é fazer coadjuvar os diversos atores sociais e nas diferentes esferas da sociedade. Tem-se, então, de forma implícita na Quadragesimo Anno, o que conhecemos hoje como “principio de subsidiariedade”.
Com relação à organização econômica, Pio XI faz deslizar, de forma definitiva, o mote fundamental da livre concorrência que fora estabelecido pelo modelo capitalista liberal e advoga, ao mesmo tempo, a necessidade de princípios mais nobres e elevados como a justiça e a caridade para orientar as relações sociais e, sobretudo, as relações de trabalho. Em oposição direta ao despotismo econômico do capital, sugere em sua encíclica a “cristianização da economia”.
A organização sindical também figura nas páginas da Quadragesimo Anno como uma temática nova. Estando já em germe na Rerum Novarum, na encíclica de Pio XI ela reaparece e com traços bem mais claros e definidos. No parecer do pontífice, além de possibilitar o aperfeiçoamento moral e religioso, os sindicatos podem contribuir também tanto para a colaboração pacífica entre as classes como para a repressão da organização socialista e suas violências.
O registro acurado sobre a evolução da economia e, por outro lado, sobre a evolução do socialismo, presentes na Quadragesimo Anno, representam algo de novo na reflexão Igreja ao longo dos anos que se seguiram após a encíclica de Leão XIII. O objetivo de Pio XI, muito mais do que pontuar os avanços de um e outro, orienta-se no sentido de esclarecer a todos, e, sobretudo, aos católicos, o fato de que a pedagogia cristã não se pode conjugar nem com o despotismo econômico do sistema capitalista e nem tampouco com os partidos do comunismo e do socialismo, pois ambos, na compreensão do pontífice, concebem a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã.
Por fim, o tema da reforma dos costumes representa um avanço e uma novidade em relação ao texto de Leão XIII, na Rerum Novarum. Para o papa Pio XI, o racionalismo moderno e o espírito do novo regime econômico em ascensão, só puderam promover a degradação moral e ao mesmo tempo a degradação religiosa em seu tempo. Vê, portanto, na prática efetiva da caridade (tendo em vista que a justiça, sozinha, nunca conseguirá “congraçar os ânimos e unir os corações”), o caminho mais seguro e eficaz para que os homens juntos realizem a tão desejada e completa restauração da sociedade.
Muito atuais ainda permanecem os seguintes temas: “a justa distribuição dos bens”, o “salário justo” (ambos já presentes na Rerum Novarum), a “subsidiariedade” e a “reforma dos costumes”. No que se refere à justa distribuição dos bens, basta lembrar os inúmeros problemas agrários ainda candentes no país. Sobre o salário justo, a pobreza e miséria entre os trabalhadores são as maiores provas e as mais evidentes. No tocante ao principio de subsidiariedade, a burocracia de nosso sistema social impede e anula a aplicabilidade do mesmo. Finalmente, com relação à reforma dos costumes, vemos ainda um grande esforço, não apenas por parte da Igreja, mas também por parte de diversas instituições educacionais em corrigir os costumes que não correspondem com o bem estar social da família humana de um modo geral.

* Fascismo, Nazismo e Franquismo foram formas de governos totalitários. O primeiro com atuação na Itália. O segundo, na Alemanha. E o terceiro, na Espanha.


REFERÊNCIA
PIO XI. Quadragesimo Anno: carta encíclica sobre a restauração e o aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a Lei Evangélica. Documentos pontifícios. Edições Paulinas. 5ª edição. São Paulo: 2004.


Rerum Novarum: Sobre a Condição dos operários


SEMINÁRIO DE TEOLOGIA DIVINO MESTRE
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Prof. pe. Luiz Fernando de Lima
Acadêmico: Fábio Antunes. 2° ano de teologia



RERUM NOVARUM:
Sobre a condição dos operários


Iniciada no Reino Unido, nas últimas décadas do século XVIII, e ulteriormente expandida por todo o mundo, a Revolução Industrial, que inseriu a máquina nos processos de produção, teve como principal desfecho a consolidação do sistema capitalista de produção.
Pondo abaixo os edifícios econômicos do mercantilismo, bem como o da fisiocracia francesa*, este novo sistema preconizou à maximização dos lucros por meio dos processos industriais de produção e foi, ao mesmo tempo, justificado por uma nova forma de pensar a economia e o trabalho baseada, sobretudo, em três princípios fundamentais; a saber: a liberdade de empresa, a liberdade de comércio e o direito a propriedade privada.
Este novo modelo econômico, conjugado ao ideal liberal, e orientado para maximização dos lucros, promoveu muito rapidamente o acumulo da riqueza nas mãos de uma minoria e, por outro lado, a indigência de uma grande multidão. Tal situação, não sem demora, fez com que algumas vozes se levantassem contra o sistema em curso. Os primeiros a denunciarem os supostos malefícios do capitalismo e sua ideologia liberal foram Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Juntos eles conclamaram a união dos operários em todo o mundo para a derrubada revolucionaria do sistema capitalista julgado por eles como injusto e opressor. Depois, na esteira de Marx e Engels, vieram ainda os movimentos socialistas que também condenavam a ideologia liberal do sistema capitalista e, igualmente, reivindicavam a sua derrubada por meio da ação revolucionária a ser empreendida pelos operários.
Diante desta situação emblemática, e temerosa com a possibilidade da instauração de um conflito entre os homens, a Igreja, representada por Leão XIII, resolve que é tempo de posicionar-se. E é, pois, desta decisão, que nasce aos fins do século XIX, a encíclica Rerum Novarum assinada pelo pontífice Leão XIII.
Datada precisamente a 15 de Maio de 1891, a referida encíclica está dividida em quatro partes: I - A questão social e o socialismo; II - A questão social e a Igreja; III - A questão social e o Estado; e IV- A questão social e a ação conjunta de patrões e operários. Dentro deste conjunto, os temas que mais se destacam, no entanto, são os seguintes: a condição dos operários no contexto capitalista e liberal, o socialismo e sua ideologia revolucionária, a propriedade privada como direito natural do homem, o concurso da igreja nos empreendimentos humanos, as relações de trabalho, o papel do Estado, a igualdade de dignidade entre ricos e pobres e por fim a organização das associações católicas.
Diante da opulência de uns poucos em contraste direto com a indigência da grande multidão, o papa Leão se vê convencido de que a Igreja não pode manter-se num estado de indiferença. Julga necessário, com “medidas prontas e eficazes” sair em auxílio das classes menos favorecidas [os operários] que, pela cobiça de uma concorrência desenfreada e pela ganância dos senhores desumanos, estão vivendo numa “situação de infortúnio e miséria imerecida” (nn. 3-5).
Preocupa-lhe também a empresa socialista e sua investida revolucionária contra a propriedade privada. Ele a considera perigosa e sumamente injusta porque tende a “violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social” (nn. 8). Acreditando que a propriedade privada é de direito natural e fruto do trabalho do homem, julga os ideais socialistas de revolução e propriedade coletiva como algo que prejudicaria os operários ao invés de ajudá-los (nn. 10-17). E, por fim, colocando a propriedade privada na perspectiva da manutenção doméstica da família, sociedade real e anterior a toda sociedade, o pontífice decreta definitivamente a inviolabilidade da propriedade privada e o direito do homem a ela. Nem o Estado e nem tampouco os socialistas podem arbitrar sobre ela (nn. 18-21).
Na ótica de Leão XIII, o continuo desajuste nas relações entre operários e patrões, causa da grande indigência entre multidão, é um problema que não se resolverá com a derrubada da propriedade privada, como advogavam os socialistas. Mas apenas com o concurso da igreja junto aos empreendimentos dos homens (nn. 25). Diferentemente também dos socialistas, Leão não vê as classes [operários e patrões] como adversárias uma da outra, mas considera que ambas estão “destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio” (nn. 28). Neste sentido, o pontífice enumera uma série de princípios fundamentais que devem reger as relações entre patrões e operários, dentre os quais se destacam: o respeito à dignidade do homem realçada pela do cristão, o justo salário, e o cuidado por não haver nenhum tipo de manobra que venha a atentar contra a economia do pobre (nn. 30-32). Fazendo uma especial menção aos deveres do Estado pondera que este deve zelar pela condição social dos operários, “favorecendo-lhes em tudo o que, de perto ou longe, pareça de natureza a melhorar-lhes a sorte” (nn. 48-52).
 Alguns dos temas presentes na Rerum Novarum, no entanto, não só se destacam por sua pertinência, mas também por seu caráter de novidade em relação ao contexto histórico, social e cultural em que a encíclica se constrói.
Frente a um sistema rígido e com uma jornada de trabalho longa e exaustiva, o papa Leão conclama dos patrões um especial cuidado para com a integridade física e mental dos operários. Afirma que “não é justo, nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo”. Nesta mesma perspectiva, fala também da necessidade do repouso festivo, que deve ser para os operários a oportunidade de se dedicarem aos “bens celestes e ao devido culto à Majestade divina” (nn 58-59). Sem esquivas, ressalta, e de forma bem pontual, a importância de se fixar um salário justo ao trabalho realizado pelo operário. Este salário, conforme julga o pontífice, deve, no mínimo, ser suficiente para assegurar a subsistência daquele que trabalha (nn. 61-63).
Outro aspecto que faz da Rerum Novarum um documento bem à frente do seu tempo, é a consideração que Leão XIII faz acerca das diferenças entre a idade e o sexo no que se refere à organização para o trabalho. Posicionando-se contrário ao trabalho infantil e adverte que não esteja, a criança, na oficina, senão quando “sua idade tenha suficientemente desenvolvido as forças físicas, intelectuais e morais”. No caso das mulheres, reconhece que certos trabalhos não lhes são equitativos e que a elas os serviços domésticos e a boa educação dos filhos são as atividades que melhor lhes correspondem, pois a própria natureza é que lhes destina para isso (nn. 60).
 Por fim, a recomendação pontifícia que dispõe os operários a se constituírem em associações, confere a encíclica de Leão XIII um matiz totalmente novo. Nas páginas da Rerum Novarum, o objetivo das associações operárias, muito diferente do intento dos socialistas, baseia-se fundamentalmente no cuidado e no zelo constante pela condição dos operários e da classe trabalhadora. Preconiza-se, sobremaneira, a prosperidade, tanto doméstica como individual dos operários. Por seu intermédio, pretende estabelecer a equidade nas relações entre patrões e operários lembrando a cada um a soma de seus direitos e deveres (nn. 75). Não obstante, há presente também nestas mesmas páginas a orientação para que as associações sejam espaços privilegiados de religiosidade cristã e aperfeiçoamento moral dos operários. Leão preocupa-se com os rumos da sociedade e vislumbra, também por meio das associações operárias, a oportunidade de orientá-la na direção do fim que Deus se propôs ao criar a humanidade. O mesmo caminho em que percorreram os homens do passado quando encontraram o seu em e o bem dos povos (nn. 80-81).
Enfim, ao posicionar-se em favor dos operários, num tempo de forte predomínio capitalista, e ao exigir do Estado e das instituições empresariais uma substancial mudança de atitude em relação ao trato com os operários e com as classes menos favorecidas de modo a proporcionar-lhes condições mais dignas de trabalho e de vida, bem como o incentivo, de sua parte, à formação de associações operárias, a Igreja definitivamente se apresenta muito à frente do seu tempo.
E note-se ainda, em pleno século XXI, a atualidade da Rerum Novarum. A advertência aos patrões exploradores de seus funcionários, exaurindo deles a força física e mental em troca de um baixo salário, continua a ressoar em meio aos ambientes em que imperam a miséria e a opressão. No entanto, ressoa também o convite moroso à conversão da mentalidade, de modo que as relações entre os que empregam e os que são empregados sejam, à luz do Evangelho, mais justas, humanas e fraternas.  
Por fim, uma última e importante consideração. É a partir da encíclica Rerum Novarum que, de forma mais efetiva, na Igreja, se inicia o processo de sistematização daquilo que veio a ser o que conhecemos hoje com o nome de “Doutrina Social da Igreja”.

* O mercantilismo e a fisiocracia foram modelos econômicos anteriores à revolução industrial. O primeiro baseado na atividade comercial de metais preciosos como ouro e prata. O segundo, na produção agrícola. Ambos surgidos na Europa.


REFERENCIA
LEÃO XIII. Rerum Novarum: carta encíclica sobre a condição dos operários. Documentos pontifícios. Edição comemorativa do 100° aniversário de sua promulgação. Edições Loyola. São Paulo: 1991.

Resenha: Veritatis Esplendor

on terça-feira, 27 de agosto de 2013


Veritatis Esplendor
(Resenha)


Fábio Antunes. 
2° ano de teologia



Contexto


Na introdução da carta encíclica Veritatis Esplendor (VS), o papa João Paulo II declara de forma peremptória: “Hoje, porém, parece necessário refletir sobre o conjunto do ensinamento moral da igreja”.  De início esta afirmação já nos coloca diante da problemática central trazida à tona pela encíclica: o conjunto do ensinamento moral da igreja. De outro modo, entretanto, ela nos remete a uma reflexão acerca da atmosfera cultural na qual emergiu a encíclica e que certamente serviu de substrato ao sumo pontífice no processo de composição da mesma.
Como sabemos, a VS é uma carta encíclica datada a 6 de agosto de 1993. Sua atmosfera temporal e cultural compreende, portanto, meados da década de 1980 e inicio da década de 1990. À luz da própria VS, este período (que é pós-conciliar) pode ser entendido como o momento crucial da formação de “uma nova situação dentro da própria comunidade cristã”. Uma situação que, segundo o papa, é marcada notoriamente pela difusão de dúvidas e objeções com relação aos ensinamentos morais da igreja, sendo estas mesmas suscitadas e motivadas pela influencia de correntes de pensamento (mesmo as de cunho teológico) que, em última instancia, pretendem desvincular a liberdade humana de sua relação fundamental com a verdade (lei moral eterna), na tentativa de afirmar uma moral tida como autônoma. Desta separação resulta, então, uma séria problemática que, em sua essência, não é compatível com a doutrina moral da igreja; a saber: a fonte da lei natural-moral é a razão humana e não Deus. Em termos mais simples: Deus não é o autor da lei natural-moral, apenas o seu mandatário (cf. VS n° 37 p. 62). Essa compreensão resulta, por conseqüência, na negação de um conteúdo moral universalmente válido e permanente contido na revelação. Ademais, como um desdobramento desta negação, vê-se negada também a competência da igreja e do seu magistério com relação às normas morais.
Esta é a atmosfera que se insere o pensamento moral no tempo em que surge a Veritatis Splendor. E é, portanto, partindo desta problemática principal acima apresentada que o papa João Paulo II irá escrevê-la.

João Paulo II

O autor da carta encíclica Veritatis Splendor é o papa João Paulo II (cujo nome de batismo é Karol Józef Wojtyła).  Nasceu a 18 de maio de 1920 numa pequena cidade próxima a Cracóvia, no sul da Polônia, chamada Wadowice. Alguns anos mais tarde, após a morte de sua mãe Emília Kaczorowska e de seu irmão mais velho Edmund, muda-se com seu pai Karol para a cidade de Cracóvia. Já estando com a idade madura de dezoito anos, matricula-se na universidade de Jaquelônica passando a estudar tópicos de filologia e diferentes línguas. Quase que simultaneamente dedica-se também ao teatro participando e atuando como dramaturgo em diversos grupos. No entanto, durante a instalação da segunda guerra mundial, e sob os ditames da ocupação Alemã, na Polônia, se vê obrigado a abandonar os estudos para trabalhar, a fim de não sofrer a deportação para Alemanha Nazista.
Após a morte de seu pai, em 1942, Karol sente-se como vocacionado ao sacerdócio. Procura o arcebispo da Cracóvia e pede para pode estudar. Tendo seu pedido aceito, Karol inicia sua carreira vocacional no seminário clandestino da Cracóvia. Até a chegada do dia de sua ordenação sacerdotal, passa por várias intempéries. Dentre estas, cabe destaque para o acidente que sofreu em 29 de fevereiro de 1944, o qual ao ser atropelado por um caminhão, ainda sobrevive. Este fato, ele próprio julga como sendo a confirmação de sua vocação ao sacerdócio.
Ao terminar os estudos no seminário da Cracóvia, é ordenado padre em 1 de novembro de 1946. Posteriormente, vai à Roma para aprimorar os estudos teológicos. Lá obtém o doutorado em teologia com uma tese sobre São João da Cruz. Tendo retornando a Polônia passa a lecionar na Universidade Jaguelônica e, posteriormente, Universidade Católica de Lublin. Em 1954 obtém o titulo de doutor em filosofia com uma tese sobre Max Scheler.
Em julho de 1958, durante o papado de Pio XII, é eleito bispo auxiliar da Cracóvia. Sua ordenação episcopal se deu a 28 de setembro de 1958, com idade de trinta e oito anos. Como bispo participou do concílio Vaticano II e fez importantes contribuições. E em 13 de janeiro de 1964, p papa Paulo VI o eleva a arcebispo. Um pouco mais tare, após a morte do papa PauloVI, Karol participa do conclave que elege como sucessor de Paulo VI e líder da igreja o papa João Paulo I que, no entanto, veio a falecer após trinta e três dias de papado.
A 14 de outubro de 1978, inicia-se um novo conclave. Dois nomes são os mais cotados para o novo cargo; a saber: o do cardeal Giuseppe Siri e o do Cardeal Giovanni Benelli. Todavia, entre estes houve uma complexa disputa de votos, o que fez com que o Cardeal Franz KönigArcebispo de Viena, sugerisse aos demais participantes do conclave um outro candidato: o Cardeal polonês, Karol Józef Wojtyła. Após dois dias de eleições, Karol vence e é eleito Papa da Igreja, com cinqüenta e oito anos de idade. Em homenagem ao seu sucessor, João Paulo I, escolhe como novo nome o que o faz conhecido no mundo todo: João Paulo II.
Foram marcas de seu pontificado: a) a luta contra o comunismo na Polônia e na Europa de modo geral. b) Posicionamento contrário à aproximação de algumas correntes da teologia com o marxismo. c) um novo alento com relação ao dialogo inter-religioso.
João Paulo II faleceu em 2005, com oitenta e quatro anos de idade, e com mais de vinte e seis anos de pontificado, sendo considerado um dos mais longos da história.
  
Veritatis Esplendor: resumo

A VS começa com a apresentação do dialogo de Jesus com o jovem rico, narrado no capitulo 19 do Evangelho de são Mateus. Ao começar com a apresentação deste dialogo, o papa tem como objetivo principal a construção um itinerário para o homem moderno (sedento de sentido para a vida) rumo à essência do ensinamento moral de Jesus, o qual constitui a verdadeira resposta para todas as inquietações e desatinos da vida humana, sobretudo, com relação ao Bem que se deve fazer.  À porta deste caminho encontra-se Deus, autor e fonte de todo o Bem; e para o qual o homem deve dirigir-se por primeiro em sua busca (inquieta e secreta) pela plenitude de significado, que deseja encontrar no avançar de seu curso histórico de vida. Somente orientado para Deus, é que o homem poderá ter uma vida moral plena de sentido, sendo ela mesma uma resposta de amor àquele que é a fonte de todo o bem. Este mesmo caminho leva o homem a um encontro com os mandamentos de Deus, primeiramente inscritos no coração do próprio homem e, depois, revelado na história por meio das “tábuas da Lei”. A observância dos mandamentos dá sentido à vida do homem e é condição para a Vida Eterna. De modo mais especial, a observância do Mandamento do Amor, o qual (a ser dirigido ao próximo) exprime perfeitamente a singular dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, reflete a iniciativa amorosa de Deus para com os homens. Avançando cada vez mais por este caminho, o homem é interpelado pelo Cristo e se vê convidado a segui-lo. Um convite que não suprime a liberdade do homem, mas ao contrário a afirma e, da mesma forma, o abre para o amor perfeito.
No segundo capitulo, a reflexão do papa gira em torno de algumas interpretações (pós-conciliares) acerca da moral cristã; as quais foram se fazendo e se mostrando incompatíveis com o conjunto do ensinamento moral da igreja. São interpretações que têm como ponto de partida a liberdade do homem. Mas uma liberdade compreendida, em última análise, desvinculada da Verdade; gerando assim uma série de equívocos, dentre os quais com relação à lei moral, com relação à natureza humana e com relação à consciência. O papa ainda discute neste capitulo a questão da opção fundamental que só pode se realizar de forma autêntica quando unida a cada um dos atos particulares do homem e não prescindindo deles, como afirmam equivocadamente alguns teólogos da teologia moral moderna (gerando assim uma negativa problemática com relação à correta interpretação do pecado). Uma posterior discussão se desenvolve com relação aos atos humanos, que em essência, são atos morais, pois “exprimem e decidem a bondade ou a malicia do homem” que, valendo-se de sua liberdade, escolhe e realiza tais atos. A questão assim colocada remete-nos ao fato dos objetos da ação que, não estando em sintonia com o verdadeiro bem da pessoa, faz com que a ação torne-se uma ação moralmente má. Uma compreensão contrária a esta apresentada pelo papa é sustentada pelas correntes como o consequencialismo e o proporcionalismo que, em síntese, analisa a justiça do agir somente pelo cálculo das conseqüências; e (ou) medindo o teor da ação entre “maior bem” e “menor mal” e sem considerar a intenção, as circunstâncias e o objeto da ação.
O terceiro e último capitulo da VS é dedicado especialmente à orientação pastoral no sentido de resgatar a tríade “Verdade-Bem-Liberdade” que em grande parte fora perdido pela cultura moderna. O papa considera neste sentido que somente a liberdade que se submete à Verdade pode conduzir a pessoa humana ao verdadeiro Bem. Cabe, pois aos bispos, legítimos arautos da fé, fazer frutificar o evangelho e ao mesmo tempo afastar os riscos e perigos que circundam e ameaçam o seu rebanho.

Apreciação Crítica

A Veritatis Splendor é uma encíclica um tanto incomum. Escrita em 1993, pelo papa João Paulo II, ela traz em si algumas peculiaridades que, em muito, extrapolam os estreitos limites do puramente teológico. Nela, o autor, além de revelar sua habilidade em dialogar com a cultura de seu tempo (sobretudo com as correntes da ética filosófica), revela também um tino poético e uma sensibilidade pastoral que no decurso de sua vida e pontificado foram características muito singulares.
O conjunto dos textos visa à afirmação de uma ética teonoma e por isso, contrária a todas as outras éticas teológicas (secularizadas) de seu tempo as quais, em última análise, pretendem desvincular a liberdade da Verdade criando assim, por conseqüência, um certo relativismo moral que ofusca a visão do homem em seu caminhar histórico, afastando-o de da Verdade e, sobretudo, do Bem que deve fazer para alcançar aquela plenitude de sentido que secretamente tanto deseja.
Dentro deste contexto, é interessante notar que o tempo da VS é mesmo tempo em que os analistas sociais (tidos como pós-modernos) mais discutem e apresentam teses sobre os rumos futuros da sociedade de um modo geral. Uma sociedade que, segundo eles, assiste o advento do relativismo nas diversas esferas do humano e que aos poucos vai se encaminhando para um estágio de niilismo quase que pleno.
Com este argumento não pretendo dizer que a VS seja uma obra do mesmo gênero daquelas que fazem análises de caráter social (embora Lipovetsky, um importante sociólogo contemporâneo, afirme que o problema social gestado na modernidade, em parte, esteja ligado ao desapego do homem com relação à religião). O que considero pertinente, entretanto, é o fato de ela, a VS, estar inserida na mesma atmosfera cultural das obras de cunho sócio-analítico e também por tocar em assuntos que são próprios do fazer e do agir dos homens enquanto sujeitos inseridos numa sociedade em marcha, mas uma marcha incerta e, de certa forma, um tanto perigosa, pois não sabe onde irá chegar.

Frases

1. “O esplendor da verdade brilha em todas as obras do Criador, particularmente no homem”.

O homem traz em sua existência o reflexo de Deus que o orienta e o faz intuir que acima de si próprio existe uma Verdade que é bem maior.

2. “Nas profundezas do seu coração, permanece sempre a nostalgia da verdade”.

Esta frase me chamou a atenção porque o homem sente que sua vocação é para a verdade. Que fora criado para a verdade e não para o erro.

3. “Só Deus pode responder a questão sobre o bem, porque ele é o Bem”

O homem é incapaz, por si só, de decidir o que é o bem. Em suas ações, agindo como um legítimo legislador, sempre paira a sobra da incerteza moral.

4. “O bem consiste em pertencer a Deus”

Quando o homem se dispõe a agir conforme os desígnios de Deus, em suas ações não paira a sombra da incerteza moral.

5. “O amor ao próximo nasce de um coração que ama, e, precisamente porque ama, esta disposto a viver as mais elevadas exigências”

Porque o amor verdadeiro começa quando não se espera mais nada em troca. É como o amor de Deus, gratuito.

6. “A consciência é a única testemunha”

O homem não pode esconder-se de si próprio. Não pode omitir o teor de suas ações, boas ou más, de sua consciência que, à luz da Verdade, julgará sobre elas.

7. “Através da vida moral, a fé torna-se confissão, não só perante Deus, mas diante dos homens”

Quando a vida do homem reflete a Lei moral inscrita em seu próprio coração as palavras tornam-se como que desnecessárias. O agir indica que Deus é a fonte de todo o Bem.

8. “O martírio é, enfim, um preclaro sinal da santidade da igreja”

Porque nele se exprime a orientação última do homem para aquela Verdade que esta acima de tudo e que é o próprio Deus, autor e fonte de todo o bem.

9. “Ao homem permanece sempre aberto o horizonte espiritual da esperança”.

A esperança é que põe o homem sempre a caminho. E no caminho certo para Deus.

10. “É o evangelho que descobre a verdade integral sobre o homem e sobre seu caminho moral”.

Em Jesus encontra-se em forma resumida toda uma antropologia que fala ao homem sobre o Homem por excelência (Eis o Homem).

Quadragésimo Anno


SEMINÁRIO DE TEOLOGIA DIVINO MESTRE
 Doutrina Social da Igreja
Aluno: Rogério de Azevedo Silva
Curso: Doutrina Social
Professor: Pe. Luiz Fernando de Lima
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Quadragésimo anno



A encíclica Quadragésimo Anno, que é de aniversário de comemoração, foi publicada pelo Papa Pio XI, 40 anos após a Rerum Novarum no dia 15 de Maio de 1931. Sabe-se que no início dos anos trinta, houve uma grande crise econômica que ficou conhecida como a Grande Depressão de modo bastante particular com a queda da bolsa de Nova York que viu os valores de suas ações desmoronarem, fazendo com que milhares de acionistas perdessem tudo o que tinham de uma hora para outra. Com essa crise, milhares de estabelecimentos bancários, comerciais, industriais, financeiros, foram à falência, o que trouxe uma alta taxa de desempregos.

Percebe-se que o mundo está destruído nesse período e até de certo modo falido. Além de ter que confrontar-se com essa crise econômica que assolava o mundo, o Papa Pio XI, precisa enfrentar dentro de todo esse contexto de conflitos o Fascismo-Nazismo, o Comunismo, e os resquícios da primeira guerra e as revoluções que assolaram e dizimaram milhões de pessoas e trouxeram grandes problemas para o mundo.

O Papa João XXIII comenta sobre a carta encíclica Quadragésimo Anno de Pio XI que seu predecessor:



Insiste no direito e dever da Igreja de prestar sua contribuição insubstituível para a feliz solução dos problemas sociais mais urgentes e mais graves, que angustiam a família humana; confirma os princípios fundamentais e as diretrizes históricas da encíclica leonina; e aproveita a ocasião para precisar alguns pontos de doutrina sobre as quais tinham surgido dúvidas, mesmo entre católicos, e para desenvolver o pensamento social cristão, atendendo às novas condições dos tempos (MM, 28).



O Papa Pio XI faz uma leitura do passado à luz do contexto econômico-social atual, em que a industrialização juntou-se com a expansão do poder dos grupos financeiros. Embora a encíclica faça algumas exortações óbvias e até repetitivas em relação a encíclica anterior, ela adverte acerca de várias questões. Antes de entrarmos propriamente no conteúdo que abarca o documento pontifício, é importante considerarmos que a encíclica está dividida em três partes: a primeira parte destaca os benefícios trazidos pela encíclica Rerum Novarum; a segunda parte explicita a autoridade da Igreja na questão social e econômica; e por fim, a terceira parte destaca as notáveis mudanças desde a encíclica de Leão XIII.

Alguns temas podem ser considerados centrais abordados pela encíclica, que serão elencados: o primeiro, do diretito de propriedade privada (nn. 45-46); o segundo, o justo salário que não é por sua natureza injusto (nn. 63-68); o terceiro, a distribuição da riqueza segundo as exigências do bem comum (nn. 74); o quarto o princípio de subsidiariedade (nn. 79); e por fim, o quinto, a reforma dos costumes, como única via de restauração salutar, uma vez que é preciso descobrir as raízes da desordem social. (nn. 126-128).

Diante de toda essa riquíssima temática que abarca esse documento, é importante destacar três aspectos tratados na encíclica e que são novos em relação à encíclica Rerum Novarum: o princípio de subsidiariedade (nn. 79), que se tornará um elemento constante da doutrina social, exemplo disso é a Centesimus Annus; o surgimento de sindicatos (nn. 92); e, por último, a reforma dos costumes, que segundo o documento será alcançada pela renovação do espírito cristão (nn. 126).

É imprescindível destacar que dos vários aspectos abordados no texto acima, muitos deles continuam sendo atualíssimos e que nos dão indicações basilares, entre eles, podemos citar dois: primeiro, o salário justo, a encíclica afirma que ao operário deve dar-se remuneração que baste para o sustento seu e de sua família. Nota-se hoje, que muitos recebem um valor muito alto, outros, no entanto, são obrigados a viver a custa de um salário mínimo que não é capaz de suprir as necessidades básicas de uma família, fazendo que haja muita miséria; segundo, o princípio de subsidiariedade que se tornará um componente permanente na doutrina social da Igreja, sendo retomado pelo Papa João Paulo II na encíclica Centesimus Annus.

Por fim, a partir dessa compreensão acerca da Quadragésimo Anno e do contexto histórico que abarca este período, é perceptível que as propostas elaboradas devem ser compreendidas no seu tempo, mas muitas delas continuam válidas até os tempos atuais. É importante considerar como o Papa Pio XI buscou dar respostas para questões atinentes a tal período que vivia grandes dramas, como a cobiça e a concentração do poder econômico sobre os trabalhadores e sobre a sociedade; a justa distribuição da riqueza segundo as exigências do bem comum e da justiça social; o direito à propriedade que se alarga e a oportunidade de acesso à mesma; e por fim, declara a finalidade social da propriedade e o seu papel na promoção da harmonia entre as classes sociais.

Rerum Novarum: sobre a situação dos trabalhadores


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Rerum Novarum Leão XIII 1891 (sobre a situação dos trabalhadores)



         Nos finais do século XIX, com o advento da sociedade industrial, há uma alteração no contexto social, de modo que as antigas estruturas sociais encontram-se totalmente desmontadas e o aparecimento da massa de proletários assalariados vai determinar desse modo as grandes e fortes mudanças na organização social, fazendo com que a relação capital e trabalho se tornem uma questão decisiva. Alguns países da Europa chegaram a um grande desenvolvimento industrial, mas sabe-se que este intento aconteceu por meio do operariado que era mal pago, explorado por longas horas de trabalho.

           Este período que o mundo vivencia é basicamente influenciado pela Revolução Industrial. Tal período via o homem como apenas um objeto de produção, sem respeitar suas limitações e sua dignidade, muitos viviam em estado precário e a exploração da mão-de-obra foi cada vez maior, que muitos empresários aproveitaram das mulheres e das crianças como objeto de produção.

      No início da revolução, os empresários impõem duras condições de trabalho aos operários sem aumentar os salários para assim aumentar a produção e garantir uma margem de lucro crescente. A disciplina era rigorosa, as condições de trabalho sem segurança, em algumas fábricas trabalhavam-se quinze horas, chegando a abolir os descansos e feriados que não eram cumpridos.

Na encíclica Mater et Magistra, o papa João XXIII relembra as dificuldades do tempo em que o papa Leão XIII escreveu a Carta Encíclica Rerum Novarum e afirma que:

            Num mundo econômico assim concebido, a lei do mais forte encontrava plena justificação no plano teórico e dominava no das relações concretas entre os homens. E daí derivava uma ordem econômica radicalmente perturbada. Enquanto, em mãos de poucos, se acumulavam riquezas imensas, as classes trabalhadoras iam gradualmente caindo em condições de crescente mal estar (MM,12-13).

Assim, o Papa Leão XIII, em sua encíclica Rerum Novarum sobre “as novas realidades”, promulgada no dia 15 de maio de 1891, pronuncia-se sobre a condição dos operários nesse período da Revolução Industrial, tentando reorientar os fervores da modernidade, alertando sobre as ameaças das ideias socialistas utópicas e os direitos e os deveres do operário, do patrão e do estado.
O Papa publicou o seu ensinamento, lançando as bases do ensino social da Igreja, iniciando um envolvimento sempre mais crescente da Igreja Católica com as questões sociais. A palavra do Papa tem por finalidade ser um ensinamento que encontra o seu fundamento no Evangelho e na riquíssima tradição dos Santos Padres da Igreja como uma fonte para o ensinamento cristão.
 Alguns temas podem ser considerados centrais abordados pela encíclica, que serão elencados: primeiro, a propriedade privada e particular que é um direito natural (nn. 4); segundo, a Igreja e a questão social (nn. 10); terceiro, a dignidade do trabalho (nn. 15); quarto, a exploração do trabalho de mulheres e crianças (nn. 27-28); quinto, as associações operárias católicas (nn. 36) e tantas outras questões que estão contempladas nesse documento e que dizem respeito a todo o processo histórico que a Igreja estava envolvida.
Diante de toda essa riquíssima temática que abarca esse documento, é importante destacar três aspectos tratados na encíclica e que estavam em consonância direta como pensamento da época: por exemplo, o homem deve ter direito ao repouso festivo (nn. 26); a carga horária de trabalho deve corresponder aos seus limites, tendo ele o direito do repouso (nn. 27); e por fim, a organização de associações (nn. 35).
            É imprescindível destacar que dos vários aspectos abordados no texto acima, muitos deles continuam sendo atualíssimos e que nos dão indicações basilares, entre eles: em primeiro lugar poderíamos citar o domingo como dia de repouso festivo, nota-se nos tempos hodiernos o funcionamento do comércio aos domingos tem sido uma questão pertinente a ser discutida em vários países, e para se chegar a um consenso acerca de uma ordem seria necessário considerar diversas dimensões que perpassam esse tema, entre elas: questões econômicas, políticas, sociais e sem dúvida, culturais e religiosas; em segundo lugar, outro aspecto a ser elucidado seria a exploração do trabalho, principalmente de menores.  Segundo dados do IBGE, cerca de 1,2 milhões de crianças entre 5 a 13 anos, são vítimas de exploração, sendo que a legislação proíbe o trabalho infantil para menores de 14 anos.
            Por fim, a partir dessa compreensão acerca da Rerum Novarum e do contexto histórico que abarca este período, é perceptível que as propostas elaboradas devem ser compreendidas no seu tempo, mas muitas delas continuam válidas até os tempos atuais. Percebe-se o quanto Leão XIII foi importante e necessário para que a Igreja começasse a participar de modo ativo nas questões sociais, de modo que ela dialogasse com a situação do final do século XIX, buscando assim dar uma possível solução para os dramas da classe operária que vivia subjugada pelos empresários e patrões, definindo os direitos e as responsabilidades do capital e do trabalho; descrevendo a justa função do governo; defendendo os direitos dos trabalhadores à organização de associações para tentarem conseguir salários justos e condições de trabalho equitativo.





O ano da Fé


o Ano da Fé
                                                                                
                                                                                                                        Rogério de Azevedo
                                                                                                                           2° ano de teologia 

O Santo Padre, o Papa Emérito Bento XVI, no último dia 11 de outubro do ano 2012, realizou solenemente a abertura do Ano da Fé, conforme proclamara por intermédio da Carta Apostólica Porta Fidei.  O Romano Pontífice Emérito propõe, neste tempo especial, que a Igreja se abra à experiência renovada na adesão a Jesus Cristo, Nosso Salvador, reavivando a alegria de nos encontrarmos com Ele, para que de modo concreto possamos ser transformados pela fé, uma vez que “crer em Jesus Cristo é o caminho para poder chegar definitivamente à salvação”[1].

Sabe-se que o Ano da Fé está ligado ao caminho que a Igreja trilhou de modo singular nos últimos cinquenta anos. O Papa Emérito propõe uma Nova Evangelização, e a resposta a ser dada a esta necessidade é a mesma desejada pelos Padres Conciliares, visto que nos últimos anos há uma desertificação espiritual, a qual facilmente se constata na sociedade hodierna. Na homilia por ocasião da abertura do Ano da Fé, recorda que:

... no deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança[2].

O Papa Emérito quer indicar, à Igreja Universal, o mesmo caminho trilhado pelo povo em busca da Terra Prometida, ou seja, sugere uma peregrinação pelos desertos do mundo contemporâneo, em que o discípulo de Cristo deve levar apenas o essencial, como o próprio Senhor exortou aos Apóstolos, ao enviá-los em missão: é necessário, principalmente, que se leve o evangelho, do qual os documentos do Concílio, bem como o Catecismo da Igreja Católica, são a expressão luminosa.

Todavia, para que esta Nova Evangelização não seja somente um ideal e que não peque por confusão, faz-se necessário que ela se fundamente sobre uma base concreta que compreende os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso encontrou a sua personificação. Assim, a insistência do Papa Emérito Bento XVI acerca da necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio - ou seja, aos seus textos - para também encontrar o seu verdadeiro espírito; posto que sobre eles reside a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege-nos dos extremos como de certos avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade.

No início de seu governo petrino, o Papa Emérito Bento XVI adotou uma postura demasiado marcante frente ao Concílio Vaticano II, direcionada ‘por uma Hermenêutica da Continuidade, para com a tradição católica. Em seu primeiro discurso de final de ano para Cúria Romana ele condenou uma interpretação do Concílio como ruptura, e isto faz-se impossível em face à condução da Igreja, dirigida pelo Cristo, e impulsionada pelo Espírito Santo, cuja mutabilidade e limitação não perpassam. Na tradição da Igreja, isto é, na transmissão fiel aos ensinamentos contidos no depósito da fé, não cabe nenhum tipo de acréscimo ou modificação. Há, por outro lado, um alargamento da compreensão da mesma fé vivida e transmitida no decorrer dos séculos.

Por fim, o Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança. Ao vivenciarmos um Ano da Fé somos convocados, enquanto membros vivos da Igreja de Cristo, a reconhecermos o valor incomensurável de nossa experiência de fé, cujo ápice se funda e concretiza no encontro com uma Pessoa, Aquele que por nós verteu Seu Sangue Precioso.

Nessa compreensão de que não há ruptura ou modificação na fé da Igreja, mas sim uma continuidade e atualização da experiência dos cristãos contemporâneos, Bento XVI tem demonstrado sua preocupação por meio de aspectos sobremaneira relevantes para a vida eclesial, bem como a Liturgia, chamando os cristãos a redescobrirem o seu valor e verdadeiro espírito. Não se trata de um retrocesso às coisas antigas, mas compreende um esforço por esclarecer que “Jesus Cristo é o mesmo, ontem hoje e por toda a eternidade” (Hb 13, 8), e que permanece presente em Sua Igreja, conduzindo-a ao longo dos anos, até que ela possa enfim completar sua Missão, quando Ele mesmo regressará, com o escopo de recobrar a todos para Si.

 Dessa maneira, imbuídos pelo mesmo espírito que permeou toda a vida e a história da Igreja, vivamos intensamente esse Ano de Graça que ela nos propõe, fazendo deste um momento profícuo para o aprofundamento de nossa fé, de nosso encontro íntimo e pessoal com Cristo e de nosso comprometimento com Ele. O amplo desafio que se evidencia, portanto, é o de descobrir na mensagem redentora de Cristo a grande novidade do Amor de Deus, que se renova e se enraíza constantemente no coração do homem.


[1] BENTO XVI. Carta Apostólica Porta Fidei. §3.
[2] BENTO XVI. Homilia por ocasião da Abertura do Ano da Fé, 11 de outubro de 2012.