Os três caminhos para Deus

on terça-feira, 27 de agosto de 2013


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
Questões de Método em Teologia
Aluno: Luiz Fernando de Lima
Curso: Mestrado em Teologia
Professor: Clodovis Boff, OSM
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OS TRÊS CAMINHOS PARA DEUS

No dia 10 de abril do corrente ano, o Papa Francisco na tradicional audiência das quartas-feiras em Roma, definiu Deus como um pai que jamais se esquece dos homens e que os ama mesmo quando estes se equivocam. Esta definição do Romano Pontífice oferece como pano de fundo um aspecto mais de comunhão do que de conhecimento sobre Deus. A comunhão com Deus implica a realidade vivencial e existencial do amor como único caminho possível para realizá-la. Todavia, quando se trata dos modos de se conhecer a Deus tem-se pelo menos três caminhos: a razão pura, a religião e a Revelação.
O presente texto tem por objetivo apresentar estes três caminhos a partir da análise do capítulo 19 do livro “Teoria do Método Teológico[1]”, de Clodovis Boff. O referido capítulo está dividido em três grandes seções, a saber: o caminho da razão pura; o caminho das religiões; o caminho da revelação em Cristo. Cada seção traz subseções que constam de análises, testemunhos, comentários e críticas.
Ao lado da via da fé coloca-se também na caminhada de conhecimento de Deus, a via da razão. Esta se justifica quando se leva em conta que o ser humano sempre busca razões daquilo que acredita. É movido sempre na direção da verdade, como já afirmava Aristóteles na Metafísica. Desde Leibniz a reflexão desta busca radical por Deus pela razão tem sido chamada de Teodiceia ou Teologia filosófica. Para Miguel Unamuno, “uma fé que não é superação permanente da dúvida é uma fé morta”. Tillich (1984, p. 20-22)[2] diz que essa preocupação é inescapável à qualquer ser humano.
Frente ao problema de Deus, portanto, a filosofia tem papel importantíssimo uma vez que auxilia e fundamenta o conhecimento da existência de Deus e seus atributos essenciais, como bondade, unidade, sabedoria, justiça e eternidade. O último passo disso tudo é perceber, pela razão, que esse Deus pode deixar seu silêncio e se “revelar” aos humanos. A própria Escritura testifica a possibilidade de se encontrar a Deus pela via da razão: Sb 13,1-9; Rm 1,18-23; At 14,15-17;17,24-29. Também o Magistério eclesiástico no Vaticano I, Constituição Dei Filius, assegurou a possiblidade de se conhecer a Deus pela luz natural da razão humana. Não ficaram de fora na análise magisterial, igualmente, os obstáculos decorrentes desta via como, por exemplo, o fato de ser uma via possível a poucos, penosa, hesitante e ambígua.
O que na verdade versava como pano de fundo na segunda metade do século XIX quando o Vaticano I aconteceu era as posições extremadas do racionalismo, que exaltava em excesso o valor da razão, e do tradicionalismo, que sopesava por demais a razão e sua capacidade de buscar a verdade.
Já Santo Tomás propugnava a possiblidade de se conhecer a Deus pela via da razão. Suas cinco vias[3] tornaram-se bastante conhecidas. No entanto, o que se encontra com elas é uma divindade lógica, abstrata, “sem rosto e sem coração”. Por isso, há entre a Teologia filosófica e a Revelação uma diferença qualitativa. Nas palavras de Kierkegaard pode-se dizer: “a razão nos leva até à porta do santuário, mas é a fé que nos introduz nele”. A razão, por conseguinte, tem a sua função na caminhada ao conhecimento de Deus[4] já que se situa na esfera do desejo por Ele.
Um segundo caminho para se conhecer a Deus é a via das religiões, que carrega consigo traços da razão na ânsia pelo conhecimento divino e lampejos da Revelação. De fato, a experiência com Deus vivida nas religiões constitui sua “verdade subjetiva”, como dizia Hegel. É este o caminho “sociologicamente mais largo para Deus”. Engloba as massas, as multidões e já era propugnado por Platão no Filebo.
Existe ainda, para se conhecer a Deus, o caminho da Revelação em Cristo. Conforme Santo Irineu, em Contra os hereges, na Revelação Deus mesmo estende suas mãos na direção do ser humano: a mão do Verbo e a mão do Espírito. À diferença das demais religiões, aqui se crê que a autocomunicação de Deus se deu em plenitude na pessoa de Jesus Cristo (NA 2). Em relação à via da razão, na Revelação o caminho é acessível a todos, fácil, seguro e puro, o que possibilita não só conhecer a Deus, mas crê-Lo e acolhê-Lo no amor.
Apresentados estes três caminhos, o que se pretende agora é destacar a via da Teologia Natural. Tradicionalmente, essa expressão denomina um conhecimento indireto de Deus por meio da natureza. Isso não significa que essa teologia seja dispensável. Como dito acima, já o Vaticano I considerava que “Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas”. Segundo Tomás de Aquino, a quem essa doutrina remonta, a teologia cristã é teologia da revelação sobrenatural. Ela pressupõe a teologia natural do mesmo modo em que a graça pressupõe a natureza. O conhecimento natural de Deus pertence ao preâmbulo do conhecimento sobrenatural de Deus e não é objeto da fé, mas sim uma razoável preparação para a fé.
No que toca à Teologia Natural, a principal contribuição do Aquinate são as Cinco Vias ou provas da existência de Deus. O movimento no mundo, argumenta Tomás de Aquino, só é explicável se existir um primeiro motor imóvel; a série de causas eficientes no mundo devem conduzir a uma causa sem causa; os seres contingentes e corruptíveis devem depender de um ser necessário independente e incorruptível; os diversos graus de realidade e bondade do mundo devem ser aproximações a um máximo de realidade e bondade subsistente; a teleologia normal de agentes não conscientes no universo implica a existência de um orientador universal inteligente.
A Teologia Natural não é uma teologia da revelação e não se coloca em concorrência com ela. A teologia da revelação não substitui a teologia natural, nem a torna supérflua. A teologia natural considera Deus em sua essência, em sua natureza, em seus atributos e em suas obras, tal como Ele pode ser reconhecido pela inteligência humana através dos fenômenos deste mundo. Já a teologia da revelação, leva em conta tudo o que foi proposto pela primeira e, na expressão de Duns Scotus, não só vê Deus como um ser, mas o revela como “este Deus”, que ama, que se comunica, governando e conservando sua criação.
Tendo em conta uma reflexão de Moltmann, hoje se pode considerar uma teologia realista da natureza aquela que expressa o “gemido da criação” e o seu desejo de libertação da caducidade. Ela, portanto, é pressuposto ou futuro da teologia da revelação[5]?
De Tomás de Aquino em diante, por conseguinte, muitas foram as respostas dadas à teologia natural, que é a busca do conhecimento da existência e dos atributos divinos pela via da razão. Buscando Deus através dos mecanismos humanos limitados, a teologia natural privilegia, de certa forma, o ser humano, pois parte deste para chegar a Deus. Diferencia-se da teologia revelada que faz o caminho inverso: Deus revelando-Se a Si mesmo indica ao ser humano quem ele é.


[1] BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Petrópolis: Vozes, 4. ed., 2009.
[2] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Leopoldo / São Paulo: Sinodal / Paulinas, 1984.
[3] As 5 vias tomistas são: movimento, causalidade eficiente, contingência, graus de perfeição e governo do mundo.
[4] Aqui parece ser interessante alertar que só conhecemos de Deus aquilo que Ele quis revelar a nós (cf. DV 2).
[5] MOLTMANN, Jürgen. Teologia natural: pressuposto ou futuro da teologia da revelação?. In: Teologi@Internet.. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Acesso: 21-05-2012.

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