Veritatis Esplendor
(Resenha)
Fábio Antunes.
2° ano de teologia
Contexto
Na introdução da carta encíclica
Veritatis Esplendor (VS), o papa João Paulo II declara de forma peremptória: “Hoje, porém, parece necessário refletir
sobre o conjunto do ensinamento moral da igreja”. De início esta afirmação já nos coloca diante
da problemática central trazida à tona pela encíclica: o conjunto do
ensinamento moral da igreja. De outro modo, entretanto, ela nos remete a uma
reflexão acerca da atmosfera cultural
na qual emergiu a encíclica e que certamente serviu de substrato ao sumo
pontífice no processo de composição da mesma.
Como sabemos, a VS é uma carta encíclica
datada a 6 de agosto de 1993. Sua atmosfera temporal e cultural compreende,
portanto, meados da década de 1980 e inicio da década de 1990. À luz da própria
VS, este período (que é pós-conciliar) pode ser entendido como o momento
crucial da formação de “uma nova situação
dentro da própria comunidade cristã”. Uma situação que, segundo o papa, é marcada
notoriamente pela difusão de dúvidas
e objeções com relação aos
ensinamentos morais da igreja, sendo estas mesmas suscitadas e motivadas pela
influencia de correntes de pensamento (mesmo as de cunho teológico) que, em
última instancia, pretendem desvincular a liberdade
humana de sua relação fundamental com a verdade
(lei moral eterna), na tentativa de afirmar uma moral tida como autônoma. Desta separação resulta,
então, uma séria problemática que, em sua essência, não é compatível com a
doutrina moral da igreja; a saber: a fonte da lei natural-moral é a razão
humana e não Deus. Em termos mais simples: Deus não é o autor da lei
natural-moral, apenas o seu mandatário (cf. VS n° 37 p. 62). Essa compreensão resulta, por conseqüência, na
negação de um conteúdo moral
universalmente válido e permanente contido na revelação. Ademais, como um
desdobramento desta negação, vê-se negada também a competência da igreja e do
seu magistério com relação às normas morais.
Esta é a atmosfera que se insere o
pensamento moral no tempo em que surge a Veritatis Splendor. E é, portanto,
partindo desta problemática principal acima apresentada que o papa João Paulo
II irá escrevê-la.
João
Paulo II
O autor da
carta encíclica Veritatis Splendor é o papa João Paulo II (cujo nome de batismo
é Karol Józef Wojtyła). Nasceu a 18 de maio de 1920 numa pequena
cidade próxima a Cracóvia, no sul da Polônia, chamada Wadowice. Alguns anos mais tarde, após a morte de sua mãe Emília Kaczorowska
e de seu irmão mais velho Edmund, muda-se com seu pai Karol para a cidade de
Cracóvia. Já estando com a idade madura de dezoito anos, matricula-se na
universidade de Jaquelônica passando a estudar tópicos de filologia e
diferentes línguas. Quase que simultaneamente dedica-se também ao teatro
participando e atuando como dramaturgo em diversos grupos. No entanto, durante
a instalação da segunda guerra mundial, e sob os ditames da ocupação Alemã, na
Polônia, se vê obrigado a abandonar os estudos para trabalhar, a fim de não
sofrer a deportação para Alemanha Nazista.
Após a morte de
seu pai, em 1942, Karol sente-se como vocacionado ao sacerdócio. Procura o
arcebispo da Cracóvia e pede para pode estudar. Tendo seu pedido aceito, Karol
inicia sua carreira vocacional no seminário clandestino da Cracóvia. Até a
chegada do dia de sua ordenação sacerdotal, passa por várias intempéries.
Dentre estas, cabe destaque para o acidente que sofreu em 29 de fevereiro de
1944, o qual ao ser atropelado por um caminhão, ainda sobrevive. Este fato, ele
próprio julga como sendo a confirmação de sua vocação ao sacerdócio.
Ao terminar os
estudos no seminário da Cracóvia, é ordenado padre em 1 de novembro de 1946.
Posteriormente, vai à Roma para aprimorar os estudos teológicos. Lá obtém o
doutorado em teologia com uma tese sobre São João da Cruz. Tendo retornando a
Polônia passa a lecionar na Universidade Jaguelônica e, posteriormente, Universidade
Católica de Lublin. Em 1954 obtém o titulo de doutor em filosofia com uma tese
sobre Max Scheler.
Em julho de
1958, durante o papado de Pio XII, é eleito bispo auxiliar da Cracóvia. Sua
ordenação episcopal se deu a 28 de setembro de 1958, com idade de trinta e oito
anos. Como bispo participou do concílio Vaticano II e fez importantes
contribuições. E em 13 de janeiro de 1964, p papa Paulo VI o eleva a arcebispo.
Um pouco mais tare, após a morte do papa PauloVI, Karol participa do conclave
que elege como sucessor de Paulo VI e líder da igreja o papa João Paulo I que,
no entanto, veio a falecer após trinta e três dias de papado.
A 14 de outubro
de 1978, inicia-se um novo conclave. Dois nomes são os mais cotados para o novo
cargo; a saber: o do cardeal Giuseppe Siri e o do Cardeal Giovanni Benelli.
Todavia, entre estes houve uma complexa disputa de votos, o que fez com que o Cardeal Franz König, Arcebispo de Viena, sugerisse aos demais participantes do conclave um
outro candidato: o Cardeal polonês, Karol Józef Wojtyła. Após dois dias de
eleições, Karol vence e é eleito Papa da Igreja, com cinqüenta e oito anos de
idade. Em homenagem ao seu sucessor, João Paulo I, escolhe como novo nome o que
o faz conhecido no mundo todo: João Paulo II.
Foram marcas de seu pontificado: a) a
luta contra o comunismo na Polônia e na Europa de modo geral. b) Posicionamento
contrário à aproximação de algumas correntes da teologia com o marxismo. c) um
novo alento com relação ao dialogo inter-religioso.
João Paulo II faleceu em 2005, com
oitenta e quatro anos de idade, e com mais de vinte e seis anos de pontificado,
sendo considerado um dos mais longos da história.
Veritatis Esplendor: resumo
A VS começa com
a apresentação do dialogo de Jesus com o jovem rico, narrado no capitulo 19 do
Evangelho de são Mateus. Ao começar com a apresentação deste dialogo, o papa
tem como objetivo principal a construção um itinerário para o homem moderno
(sedento de sentido para a vida) rumo à essência do ensinamento moral de Jesus,
o qual constitui a verdadeira resposta
para todas as inquietações e desatinos da vida humana, sobretudo, com relação
ao Bem que se deve fazer. À porta deste
caminho encontra-se Deus, autor e
fonte de todo o Bem; e para o qual o homem deve dirigir-se por primeiro em sua
busca (inquieta e secreta) pela plenitude
de significado, que deseja encontrar no avançar de seu curso histórico de
vida. Somente orientado para Deus, é que o homem poderá ter uma vida moral
plena de sentido, sendo ela mesma uma resposta de amor àquele que é a fonte de
todo o bem. Este mesmo caminho leva o homem a um encontro com os mandamentos de Deus, primeiramente
inscritos no coração do próprio homem e, depois, revelado na história por meio
das “tábuas da Lei”. A observância dos mandamentos dá sentido à vida do homem e
é condição para a Vida Eterna. De modo mais especial, a observância do Mandamento do Amor, o qual (a ser
dirigido ao próximo) exprime perfeitamente a singular dignidade da pessoa
humana e, ao mesmo tempo, reflete a iniciativa amorosa de Deus para com os
homens. Avançando cada vez mais por este caminho, o homem é interpelado pelo
Cristo e se vê convidado a segui-lo. Um convite que não suprime a liberdade do
homem, mas ao contrário a afirma e, da mesma forma, o abre para o amor
perfeito.
No segundo
capitulo, a reflexão do papa gira em torno de algumas interpretações
(pós-conciliares) acerca da moral cristã; as quais foram se fazendo e se
mostrando incompatíveis com o conjunto do ensinamento moral da igreja. São
interpretações que têm como ponto de partida a liberdade do homem. Mas uma
liberdade compreendida, em última análise, desvinculada da Verdade; gerando
assim uma série de equívocos, dentre os quais com relação à lei moral, com
relação à natureza humana e com relação à consciência. O papa ainda discute
neste capitulo a questão da opção fundamental
que só pode se realizar de forma autêntica quando unida a cada um dos atos
particulares do homem e não prescindindo deles, como afirmam equivocadamente
alguns teólogos da teologia moral moderna (gerando assim uma negativa
problemática com relação à correta interpretação do pecado). Uma posterior
discussão se desenvolve com relação aos atos
humanos, que em essência, são atos morais, pois “exprimem e decidem a
bondade ou a malicia do homem” que, valendo-se de sua liberdade, escolhe e
realiza tais atos. A questão assim colocada remete-nos ao fato dos objetos da ação que, não estando em
sintonia com o verdadeiro bem da pessoa, faz com que a ação torne-se uma ação
moralmente má. Uma compreensão contrária a esta apresentada pelo papa é
sustentada pelas correntes como o consequencialismo
e o proporcionalismo que, em síntese,
analisa a justiça do agir somente pelo cálculo das conseqüências; e (ou)
medindo o teor da ação entre “maior bem” e “menor mal” e sem considerar a
intenção, as circunstâncias e o objeto da ação.
O terceiro e
último capitulo da VS é dedicado especialmente à orientação pastoral no sentido de resgatar a tríade “Verdade-Bem-Liberdade” que em grande
parte fora perdido pela cultura moderna. O papa considera neste sentido que
somente a liberdade que se submete à Verdade pode conduzir a pessoa humana ao
verdadeiro Bem. Cabe, pois aos bispos, legítimos arautos da fé, fazer
frutificar o evangelho e ao mesmo tempo afastar os riscos e perigos que
circundam e ameaçam o seu rebanho.
Apreciação Crítica
A Veritatis
Splendor é uma encíclica um tanto incomum. Escrita em 1993, pelo papa João
Paulo II, ela traz em si algumas peculiaridades que, em muito, extrapolam os
estreitos limites do puramente teológico. Nela, o autor, além de revelar sua
habilidade em dialogar com a cultura de seu tempo (sobretudo com as correntes
da ética filosófica), revela também um tino poético e uma sensibilidade
pastoral que no decurso de sua vida e pontificado foram características muito
singulares.
O conjunto dos
textos visa à afirmação de uma ética teonoma e por isso, contrária a todas as
outras éticas teológicas (secularizadas) de seu tempo as quais, em última
análise, pretendem desvincular a liberdade da Verdade criando assim, por
conseqüência, um certo relativismo moral que ofusca a visão do homem em seu
caminhar histórico, afastando-o de da Verdade e, sobretudo, do Bem que deve
fazer para alcançar aquela plenitude de sentido que secretamente tanto deseja.
Dentro deste
contexto, é interessante notar que o tempo da VS é mesmo tempo em que os
analistas sociais (tidos como pós-modernos) mais discutem e apresentam teses
sobre os rumos futuros da sociedade de um modo geral. Uma sociedade que,
segundo eles, assiste o advento do relativismo nas diversas esferas do humano e
que aos poucos vai se encaminhando para um estágio de niilismo quase que pleno.
Com este
argumento não pretendo dizer que a VS seja uma obra do mesmo gênero daquelas
que fazem análises de caráter social (embora Lipovetsky, um importante
sociólogo contemporâneo, afirme que o problema social gestado na modernidade,
em parte, esteja ligado ao desapego do homem com relação à religião). O que
considero pertinente, entretanto, é o fato de ela, a VS, estar inserida na
mesma atmosfera cultural das obras de cunho sócio-analítico e também por tocar
em assuntos que são próprios do fazer e
do agir dos homens enquanto sujeitos inseridos numa sociedade em marcha,
mas uma marcha incerta e, de certa forma, um tanto perigosa, pois não sabe onde
irá chegar.
Frases
1. “O esplendor da verdade brilha em todas as obras do Criador,
particularmente no homem”.
O homem traz em sua existência o reflexo de Deus que
o orienta e o faz intuir que acima de si próprio existe uma Verdade que é bem
maior.
2. “Nas profundezas do seu coração, permanece sempre a nostalgia da
verdade”.
Esta frase me chamou a atenção porque o homem sente
que sua vocação é para a verdade. Que fora criado para a verdade e não para o
erro.
3. “Só Deus pode responder a questão sobre o bem, porque ele é o Bem”
O homem é incapaz, por si só, de decidir o que é o
bem. Em suas ações, agindo como um legítimo legislador, sempre paira a sobra da
incerteza moral.
4. “O bem consiste em pertencer a Deus”
Quando o
homem se dispõe a agir conforme os desígnios de Deus, em suas ações não paira a
sombra da incerteza moral.
5. “O amor ao próximo nasce de um coração que ama, e, precisamente porque
ama, esta disposto a viver as mais elevadas exigências”
Porque o amor verdadeiro começa quando não se espera
mais nada em troca. É como o amor de Deus, gratuito.
6. “A consciência é a única testemunha”
O homem não pode esconder-se de si próprio. Não pode
omitir o teor de suas ações, boas ou más, de sua consciência que, à luz da
Verdade, julgará sobre elas.
7. “Através da vida moral, a fé torna-se confissão, não só perante Deus,
mas diante dos homens”
Quando a vida do homem reflete a Lei moral inscrita
em seu próprio coração as palavras tornam-se como que desnecessárias. O agir
indica que Deus é a fonte de todo o Bem.
8. “O martírio é, enfim, um preclaro sinal da santidade da igreja”
Porque nele se exprime a orientação última do homem
para aquela Verdade que esta acima de tudo e que é o próprio Deus, autor e
fonte de todo o bem.
9. “Ao homem permanece sempre aberto o horizonte espiritual da esperança”.
A esperança é que põe o homem sempre a caminho. E no
caminho certo para Deus.
10. “É o evangelho que descobre a verdade integral sobre o homem e sobre seu
caminho moral”.
Em Jesus encontra-se em forma resumida toda uma
antropologia que fala ao homem sobre o Homem por excelência (Eis o Homem).
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