Resenha: Veritatis Esplendor

on terça-feira, 27 de agosto de 2013


Veritatis Esplendor
(Resenha)


Fábio Antunes. 
2° ano de teologia



Contexto


Na introdução da carta encíclica Veritatis Esplendor (VS), o papa João Paulo II declara de forma peremptória: “Hoje, porém, parece necessário refletir sobre o conjunto do ensinamento moral da igreja”.  De início esta afirmação já nos coloca diante da problemática central trazida à tona pela encíclica: o conjunto do ensinamento moral da igreja. De outro modo, entretanto, ela nos remete a uma reflexão acerca da atmosfera cultural na qual emergiu a encíclica e que certamente serviu de substrato ao sumo pontífice no processo de composição da mesma.
Como sabemos, a VS é uma carta encíclica datada a 6 de agosto de 1993. Sua atmosfera temporal e cultural compreende, portanto, meados da década de 1980 e inicio da década de 1990. À luz da própria VS, este período (que é pós-conciliar) pode ser entendido como o momento crucial da formação de “uma nova situação dentro da própria comunidade cristã”. Uma situação que, segundo o papa, é marcada notoriamente pela difusão de dúvidas e objeções com relação aos ensinamentos morais da igreja, sendo estas mesmas suscitadas e motivadas pela influencia de correntes de pensamento (mesmo as de cunho teológico) que, em última instancia, pretendem desvincular a liberdade humana de sua relação fundamental com a verdade (lei moral eterna), na tentativa de afirmar uma moral tida como autônoma. Desta separação resulta, então, uma séria problemática que, em sua essência, não é compatível com a doutrina moral da igreja; a saber: a fonte da lei natural-moral é a razão humana e não Deus. Em termos mais simples: Deus não é o autor da lei natural-moral, apenas o seu mandatário (cf. VS n° 37 p. 62). Essa compreensão resulta, por conseqüência, na negação de um conteúdo moral universalmente válido e permanente contido na revelação. Ademais, como um desdobramento desta negação, vê-se negada também a competência da igreja e do seu magistério com relação às normas morais.
Esta é a atmosfera que se insere o pensamento moral no tempo em que surge a Veritatis Splendor. E é, portanto, partindo desta problemática principal acima apresentada que o papa João Paulo II irá escrevê-la.

João Paulo II

O autor da carta encíclica Veritatis Splendor é o papa João Paulo II (cujo nome de batismo é Karol Józef Wojtyła).  Nasceu a 18 de maio de 1920 numa pequena cidade próxima a Cracóvia, no sul da Polônia, chamada Wadowice. Alguns anos mais tarde, após a morte de sua mãe Emília Kaczorowska e de seu irmão mais velho Edmund, muda-se com seu pai Karol para a cidade de Cracóvia. Já estando com a idade madura de dezoito anos, matricula-se na universidade de Jaquelônica passando a estudar tópicos de filologia e diferentes línguas. Quase que simultaneamente dedica-se também ao teatro participando e atuando como dramaturgo em diversos grupos. No entanto, durante a instalação da segunda guerra mundial, e sob os ditames da ocupação Alemã, na Polônia, se vê obrigado a abandonar os estudos para trabalhar, a fim de não sofrer a deportação para Alemanha Nazista.
Após a morte de seu pai, em 1942, Karol sente-se como vocacionado ao sacerdócio. Procura o arcebispo da Cracóvia e pede para pode estudar. Tendo seu pedido aceito, Karol inicia sua carreira vocacional no seminário clandestino da Cracóvia. Até a chegada do dia de sua ordenação sacerdotal, passa por várias intempéries. Dentre estas, cabe destaque para o acidente que sofreu em 29 de fevereiro de 1944, o qual ao ser atropelado por um caminhão, ainda sobrevive. Este fato, ele próprio julga como sendo a confirmação de sua vocação ao sacerdócio.
Ao terminar os estudos no seminário da Cracóvia, é ordenado padre em 1 de novembro de 1946. Posteriormente, vai à Roma para aprimorar os estudos teológicos. Lá obtém o doutorado em teologia com uma tese sobre São João da Cruz. Tendo retornando a Polônia passa a lecionar na Universidade Jaguelônica e, posteriormente, Universidade Católica de Lublin. Em 1954 obtém o titulo de doutor em filosofia com uma tese sobre Max Scheler.
Em julho de 1958, durante o papado de Pio XII, é eleito bispo auxiliar da Cracóvia. Sua ordenação episcopal se deu a 28 de setembro de 1958, com idade de trinta e oito anos. Como bispo participou do concílio Vaticano II e fez importantes contribuições. E em 13 de janeiro de 1964, p papa Paulo VI o eleva a arcebispo. Um pouco mais tare, após a morte do papa PauloVI, Karol participa do conclave que elege como sucessor de Paulo VI e líder da igreja o papa João Paulo I que, no entanto, veio a falecer após trinta e três dias de papado.
A 14 de outubro de 1978, inicia-se um novo conclave. Dois nomes são os mais cotados para o novo cargo; a saber: o do cardeal Giuseppe Siri e o do Cardeal Giovanni Benelli. Todavia, entre estes houve uma complexa disputa de votos, o que fez com que o Cardeal Franz KönigArcebispo de Viena, sugerisse aos demais participantes do conclave um outro candidato: o Cardeal polonês, Karol Józef Wojtyła. Após dois dias de eleições, Karol vence e é eleito Papa da Igreja, com cinqüenta e oito anos de idade. Em homenagem ao seu sucessor, João Paulo I, escolhe como novo nome o que o faz conhecido no mundo todo: João Paulo II.
Foram marcas de seu pontificado: a) a luta contra o comunismo na Polônia e na Europa de modo geral. b) Posicionamento contrário à aproximação de algumas correntes da teologia com o marxismo. c) um novo alento com relação ao dialogo inter-religioso.
João Paulo II faleceu em 2005, com oitenta e quatro anos de idade, e com mais de vinte e seis anos de pontificado, sendo considerado um dos mais longos da história.
  
Veritatis Esplendor: resumo

A VS começa com a apresentação do dialogo de Jesus com o jovem rico, narrado no capitulo 19 do Evangelho de são Mateus. Ao começar com a apresentação deste dialogo, o papa tem como objetivo principal a construção um itinerário para o homem moderno (sedento de sentido para a vida) rumo à essência do ensinamento moral de Jesus, o qual constitui a verdadeira resposta para todas as inquietações e desatinos da vida humana, sobretudo, com relação ao Bem que se deve fazer.  À porta deste caminho encontra-se Deus, autor e fonte de todo o Bem; e para o qual o homem deve dirigir-se por primeiro em sua busca (inquieta e secreta) pela plenitude de significado, que deseja encontrar no avançar de seu curso histórico de vida. Somente orientado para Deus, é que o homem poderá ter uma vida moral plena de sentido, sendo ela mesma uma resposta de amor àquele que é a fonte de todo o bem. Este mesmo caminho leva o homem a um encontro com os mandamentos de Deus, primeiramente inscritos no coração do próprio homem e, depois, revelado na história por meio das “tábuas da Lei”. A observância dos mandamentos dá sentido à vida do homem e é condição para a Vida Eterna. De modo mais especial, a observância do Mandamento do Amor, o qual (a ser dirigido ao próximo) exprime perfeitamente a singular dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, reflete a iniciativa amorosa de Deus para com os homens. Avançando cada vez mais por este caminho, o homem é interpelado pelo Cristo e se vê convidado a segui-lo. Um convite que não suprime a liberdade do homem, mas ao contrário a afirma e, da mesma forma, o abre para o amor perfeito.
No segundo capitulo, a reflexão do papa gira em torno de algumas interpretações (pós-conciliares) acerca da moral cristã; as quais foram se fazendo e se mostrando incompatíveis com o conjunto do ensinamento moral da igreja. São interpretações que têm como ponto de partida a liberdade do homem. Mas uma liberdade compreendida, em última análise, desvinculada da Verdade; gerando assim uma série de equívocos, dentre os quais com relação à lei moral, com relação à natureza humana e com relação à consciência. O papa ainda discute neste capitulo a questão da opção fundamental que só pode se realizar de forma autêntica quando unida a cada um dos atos particulares do homem e não prescindindo deles, como afirmam equivocadamente alguns teólogos da teologia moral moderna (gerando assim uma negativa problemática com relação à correta interpretação do pecado). Uma posterior discussão se desenvolve com relação aos atos humanos, que em essência, são atos morais, pois “exprimem e decidem a bondade ou a malicia do homem” que, valendo-se de sua liberdade, escolhe e realiza tais atos. A questão assim colocada remete-nos ao fato dos objetos da ação que, não estando em sintonia com o verdadeiro bem da pessoa, faz com que a ação torne-se uma ação moralmente má. Uma compreensão contrária a esta apresentada pelo papa é sustentada pelas correntes como o consequencialismo e o proporcionalismo que, em síntese, analisa a justiça do agir somente pelo cálculo das conseqüências; e (ou) medindo o teor da ação entre “maior bem” e “menor mal” e sem considerar a intenção, as circunstâncias e o objeto da ação.
O terceiro e último capitulo da VS é dedicado especialmente à orientação pastoral no sentido de resgatar a tríade “Verdade-Bem-Liberdade” que em grande parte fora perdido pela cultura moderna. O papa considera neste sentido que somente a liberdade que se submete à Verdade pode conduzir a pessoa humana ao verdadeiro Bem. Cabe, pois aos bispos, legítimos arautos da fé, fazer frutificar o evangelho e ao mesmo tempo afastar os riscos e perigos que circundam e ameaçam o seu rebanho.

Apreciação Crítica

A Veritatis Splendor é uma encíclica um tanto incomum. Escrita em 1993, pelo papa João Paulo II, ela traz em si algumas peculiaridades que, em muito, extrapolam os estreitos limites do puramente teológico. Nela, o autor, além de revelar sua habilidade em dialogar com a cultura de seu tempo (sobretudo com as correntes da ética filosófica), revela também um tino poético e uma sensibilidade pastoral que no decurso de sua vida e pontificado foram características muito singulares.
O conjunto dos textos visa à afirmação de uma ética teonoma e por isso, contrária a todas as outras éticas teológicas (secularizadas) de seu tempo as quais, em última análise, pretendem desvincular a liberdade da Verdade criando assim, por conseqüência, um certo relativismo moral que ofusca a visão do homem em seu caminhar histórico, afastando-o de da Verdade e, sobretudo, do Bem que deve fazer para alcançar aquela plenitude de sentido que secretamente tanto deseja.
Dentro deste contexto, é interessante notar que o tempo da VS é mesmo tempo em que os analistas sociais (tidos como pós-modernos) mais discutem e apresentam teses sobre os rumos futuros da sociedade de um modo geral. Uma sociedade que, segundo eles, assiste o advento do relativismo nas diversas esferas do humano e que aos poucos vai se encaminhando para um estágio de niilismo quase que pleno.
Com este argumento não pretendo dizer que a VS seja uma obra do mesmo gênero daquelas que fazem análises de caráter social (embora Lipovetsky, um importante sociólogo contemporâneo, afirme que o problema social gestado na modernidade, em parte, esteja ligado ao desapego do homem com relação à religião). O que considero pertinente, entretanto, é o fato de ela, a VS, estar inserida na mesma atmosfera cultural das obras de cunho sócio-analítico e também por tocar em assuntos que são próprios do fazer e do agir dos homens enquanto sujeitos inseridos numa sociedade em marcha, mas uma marcha incerta e, de certa forma, um tanto perigosa, pois não sabe onde irá chegar.

Frases

1. “O esplendor da verdade brilha em todas as obras do Criador, particularmente no homem”.

O homem traz em sua existência o reflexo de Deus que o orienta e o faz intuir que acima de si próprio existe uma Verdade que é bem maior.

2. “Nas profundezas do seu coração, permanece sempre a nostalgia da verdade”.

Esta frase me chamou a atenção porque o homem sente que sua vocação é para a verdade. Que fora criado para a verdade e não para o erro.

3. “Só Deus pode responder a questão sobre o bem, porque ele é o Bem”

O homem é incapaz, por si só, de decidir o que é o bem. Em suas ações, agindo como um legítimo legislador, sempre paira a sobra da incerteza moral.

4. “O bem consiste em pertencer a Deus”

Quando o homem se dispõe a agir conforme os desígnios de Deus, em suas ações não paira a sombra da incerteza moral.

5. “O amor ao próximo nasce de um coração que ama, e, precisamente porque ama, esta disposto a viver as mais elevadas exigências”

Porque o amor verdadeiro começa quando não se espera mais nada em troca. É como o amor de Deus, gratuito.

6. “A consciência é a única testemunha”

O homem não pode esconder-se de si próprio. Não pode omitir o teor de suas ações, boas ou más, de sua consciência que, à luz da Verdade, julgará sobre elas.

7. “Através da vida moral, a fé torna-se confissão, não só perante Deus, mas diante dos homens”

Quando a vida do homem reflete a Lei moral inscrita em seu próprio coração as palavras tornam-se como que desnecessárias. O agir indica que Deus é a fonte de todo o Bem.

8. “O martírio é, enfim, um preclaro sinal da santidade da igreja”

Porque nele se exprime a orientação última do homem para aquela Verdade que esta acima de tudo e que é o próprio Deus, autor e fonte de todo o bem.

9. “Ao homem permanece sempre aberto o horizonte espiritual da esperança”.

A esperança é que põe o homem sempre a caminho. E no caminho certo para Deus.

10. “É o evangelho que descobre a verdade integral sobre o homem e sobre seu caminho moral”.

Em Jesus encontra-se em forma resumida toda uma antropologia que fala ao homem sobre o Homem por excelência (Eis o Homem).

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