SEMINÁRIO DE TEOLOGIA DIVINO MESTRE
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
Prof. pe. Luiz Fernando de Lima
Acadêmico: Fábio Antunes. 2° ano de teologia
RERUM NOVARUM:
Sobre a condição dos operários
Iniciada
no Reino Unido, nas últimas décadas do século XVIII, e ulteriormente expandida
por todo o mundo, a Revolução Industrial, que inseriu a máquina nos processos
de produção, teve como principal desfecho a consolidação do sistema capitalista
de produção.
Pondo
abaixo os edifícios econômicos do mercantilismo, bem como o da fisiocracia
francesa*, este novo sistema preconizou à maximização dos lucros por meio dos
processos industriais de produção e foi, ao mesmo tempo, justificado por uma
nova forma de pensar a economia e o trabalho baseada, sobretudo, em três
princípios fundamentais; a saber: a
liberdade de empresa, a liberdade de comércio e o direito a propriedade
privada.
Este novo
modelo econômico, conjugado ao ideal liberal, e orientado para maximização dos
lucros, promoveu muito rapidamente o acumulo da riqueza nas mãos de uma minoria
e, por outro lado, a indigência de uma grande multidão. Tal situação, não sem
demora, fez com que algumas vozes se levantassem contra o sistema em curso. Os
primeiros a denunciarem os supostos malefícios do capitalismo e sua ideologia
liberal foram Karl Marx (1818-1883) e
Friedrich Engels (1820-1895). Juntos
eles conclamaram a união dos operários em todo o mundo para a derrubada
revolucionaria do sistema capitalista julgado por eles como injusto e opressor.
Depois, na esteira de Marx e Engels, vieram ainda os movimentos socialistas que
também condenavam a ideologia liberal do sistema capitalista e, igualmente,
reivindicavam a sua derrubada por meio da ação revolucionária a ser empreendida
pelos operários.
Diante
desta situação emblemática, e temerosa com a possibilidade da instauração de um
conflito entre os homens, a Igreja, representada por Leão XIII, resolve que é
tempo de posicionar-se. E é, pois, desta decisão, que nasce aos fins do século
XIX, a encíclica Rerum Novarum
assinada pelo pontífice Leão XIII.
Datada
precisamente a 15 de Maio de 1891, a referida encíclica está dividida em quatro
partes: I - A questão social e o
socialismo; II - A questão social e
a Igreja; III - A questão social e o
Estado; e IV- A questão social e a
ação conjunta de patrões e operários. Dentro deste conjunto, os temas que mais
se destacam, no entanto, são os seguintes: a condição dos operários no contexto
capitalista e liberal, o socialismo e sua ideologia revolucionária, a
propriedade privada como direito natural do homem, o concurso da igreja nos
empreendimentos humanos, as relações de trabalho, o papel do Estado, a
igualdade de dignidade entre ricos e pobres e por fim a organização das
associações católicas.
Diante
da opulência de uns poucos em contraste direto com a indigência da grande
multidão, o papa Leão se vê convencido de que a Igreja não pode manter-se num
estado de indiferença. Julga necessário, com “medidas prontas e eficazes” sair
em auxílio das classes menos favorecidas [os operários] que, pela cobiça de uma
concorrência desenfreada e pela ganância dos senhores desumanos, estão vivendo
numa “situação de infortúnio e miséria imerecida” (nn. 3-5).
Preocupa-lhe
também a empresa socialista e sua investida revolucionária contra a propriedade
privada. Ele a considera perigosa e sumamente injusta porque tende a “violar os
direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para
a subversão completa do edifício social” (nn.
8).
Acreditando que a propriedade privada é de direito natural e fruto do trabalho
do homem, julga os ideais socialistas de revolução e propriedade coletiva como
algo que prejudicaria os operários ao invés de ajudá-los (nn. 10-17). E, por fim, colocando a propriedade
privada na perspectiva da manutenção doméstica da família, sociedade real e
anterior a toda sociedade, o pontífice decreta definitivamente a
inviolabilidade da propriedade privada e o direito do homem a ela. Nem o Estado
e nem tampouco os socialistas podem arbitrar sobre ela (nn. 18-21).
Na
ótica de Leão XIII, o continuo desajuste nas relações entre operários e
patrões, causa da grande indigência entre multidão, é um problema que não se
resolverá com a derrubada da propriedade privada, como advogavam os
socialistas. Mas apenas com o concurso da igreja junto aos empreendimentos dos
homens (nn. 25). Diferentemente
também dos socialistas, Leão não vê as classes [operários e patrões] como
adversárias uma da outra, mas considera que ambas estão “destinadas pela
natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito
equilíbrio” (nn. 28). Neste sentido, o
pontífice enumera uma série de princípios fundamentais que devem reger as
relações entre patrões e operários, dentre os quais se destacam: o respeito à
dignidade do homem realçada pela do cristão, o justo salário, e o cuidado por
não haver nenhum tipo de manobra que venha a atentar contra a economia do pobre
(nn. 30-32). Fazendo uma especial
menção aos deveres do Estado pondera que este deve zelar pela condição social
dos operários, “favorecendo-lhes em tudo o que, de perto ou longe, pareça de
natureza a melhorar-lhes a sorte” (nn.
48-52).
Alguns dos temas presentes na Rerum Novarum,
no entanto, não só se destacam por sua pertinência, mas também por seu caráter
de novidade em relação ao contexto histórico, social e cultural em que a
encíclica se constrói.
Frente
a um sistema rígido e com uma jornada de trabalho longa e exaustiva, o
papa Leão conclama dos patrões um especial cuidado para com a integridade
física e mental dos operários. Afirma que “não é justo, nem humano exigir do
homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso da fadiga embrutecer o
espírito e enfraquecer o corpo”. Nesta mesma perspectiva, fala também da
necessidade do repouso festivo, que
deve ser para os operários a oportunidade de se dedicarem aos “bens celestes e
ao devido culto à Majestade divina” (nn
58-59).
Sem esquivas, ressalta, e de
forma bem pontual, a importância de se fixar um salário justo ao trabalho
realizado pelo operário. Este salário, conforme julga o pontífice, deve, no
mínimo, ser suficiente para assegurar a subsistência daquele que trabalha (nn. 61-63).
Outro
aspecto que faz da Rerum Novarum um documento bem à frente do seu tempo, é a
consideração que Leão XIII faz acerca das diferenças
entre a idade e o sexo no que se refere à organização para o trabalho.
Posicionando-se contrário ao trabalho infantil e adverte que não esteja, a
criança, na oficina, senão quando “sua idade tenha suficientemente desenvolvido
as forças físicas, intelectuais e morais”. No caso das mulheres, reconhece que
certos trabalhos não lhes são equitativos e que a elas os serviços domésticos e
a boa educação dos filhos são as atividades que melhor lhes correspondem, pois
a própria natureza é que lhes destina para isso (nn. 60).
Por fim, a recomendação pontifícia que dispõe
os operários a se constituírem em associações, confere a encíclica de Leão XIII
um matiz totalmente novo. Nas páginas da Rerum Novarum, o objetivo das
associações operárias, muito diferente do intento dos socialistas, baseia-se
fundamentalmente no cuidado e no zelo constante pela condição dos operários e
da classe trabalhadora. Preconiza-se, sobremaneira, a prosperidade, tanto
doméstica como individual dos operários. Por seu
intermédio, pretende estabelecer a equidade nas relações entre patrões e
operários lembrando a cada um a soma de seus direitos e deveres (nn. 75). Não obstante, há presente também nestas
mesmas páginas a orientação para que as associações sejam espaços privilegiados
de religiosidade cristã e aperfeiçoamento moral dos operários. Leão preocupa-se
com os rumos da sociedade e vislumbra, também por meio das associações
operárias, a oportunidade de orientá-la na direção do fim que Deus se propôs ao
criar a humanidade. O mesmo caminho em que percorreram os homens do passado
quando encontraram o seu em e o bem dos povos (nn. 80-81).
Enfim,
ao posicionar-se em favor dos operários, num tempo de forte predomínio
capitalista, e ao exigir do Estado e das instituições empresariais uma
substancial mudança de atitude em relação ao trato com os operários e com as
classes menos favorecidas de modo a proporcionar-lhes condições mais dignas de
trabalho e de vida, bem como o incentivo, de sua parte, à formação de associações operárias, a Igreja
definitivamente se apresenta muito à frente do seu tempo.
E
note-se ainda, em pleno século XXI, a atualidade da Rerum Novarum. A
advertência aos patrões exploradores de seus funcionários, exaurindo deles a
força física e mental em troca de um baixo salário, continua a ressoar em meio
aos ambientes em que imperam a miséria e a opressão. No entanto, ressoa também
o convite moroso à conversão da mentalidade, de modo que as relações entre os
que empregam e os que são empregados sejam, à luz do Evangelho, mais justas,
humanas e fraternas.
Por
fim, uma última e importante consideração. É a partir da encíclica Rerum
Novarum que, de forma mais efetiva, na Igreja, se inicia o processo de
sistematização daquilo que veio a ser o que conhecemos hoje com o nome de
“Doutrina Social da Igreja”.
* O mercantilismo e a fisiocracia foram modelos econômicos
anteriores à revolução industrial. O primeiro baseado na atividade comercial de
metais preciosos como ouro e prata. O segundo, na produção agrícola. Ambos
surgidos na Europa.
REFERENCIA
LEÃO
XIII. Rerum Novarum: carta encíclica
sobre a condição dos operários. Documentos pontifícios. Edição comemorativa
do 100° aniversário de sua promulgação. Edições Loyola. São Paulo: 1991.
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