Antigo Testamento - Profetas

on sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A INDIGNAÇÃO PROFÉTICA DE NAUM: ATUALIDADE DE SUA MENSAGEM

Héliton Ap. RIBEIRO*[1]

No período do rei Davi, Israel praticamente não sofreu dominação, pelo contrário, em meados do século X ampliou seu domínio invadindo Moab, Amon, Edom e a Síria. A partir do reinado de Salmanasar III da Assíria no século IX inicia-se a política imperialista que atinge também o povo judeu, neste período governado pelo rei Manassés. Os impostos, a destituição do rei que ameaçasse revolta ou conspiração, a inserção de outras culturas no seio daquele povo eram políticas assírias que faziam crescer entre os judeus um sentimento de rejeição e o desejo de liberação.
O profeta Naum é contemporâneo do período de maior ingerência assíria, ou seja, o tempo de Nabopolasar (626 a.C). Este profeta fez-se porta voz do sofrimento de seu povo. O profeta festeja a queda de Nívive (capital da Assíria): “O Senhor é um Deus ciumento e vingador! O Senhor é vingador e cheio de furor! O Senhor se vinga de seus adversários” (1,2). O castigo de Nínive (cf. 2,4-14) denuncia seu pecado e revela a influência de Deus no acontecimento (cf. SICRE, 2008, p. 433).
A consolação do povo, em consonância com Isaías 52,7 é garantida: “Eis sobre as montanhas os pés de um mensageiro que a anuncia: Paz” (2,1a). É o começo de uma nova época na qual se espera um Messias (libertador). “Provavelmente o profeta imagina a restauração dos reinos de Judá e Israel e sua reunificação, tendo Jerusalém como capital” (ROSSI, 1998, p. 24).
O capítulo 3 é dramático, revela que Nínive será devastada (versículo 7) e desaparecerá da história por causa de sua maldade. Alguns comentadores acusam Naum de sanguinário, cruel, de desprezar os pagãos e de não considerar os pecados de seu próprio povo. No entanto, lendo com cuidado os escritos deste profeta vislumbraremos algo de muito sério em sua mensagem: “O que para ele está em jogo é a justiça de Deus na história, problema que angustiou os judeus de todos os tempos e continua preocupando os nossos contemporâneos” (SICRE, 2008, p. 433).
Naum enxerga a situação de sua gente da seguinte maneira: “O leão despedaçava para seus filhotes; estrangulava para suas leoas; enchia de presas seus antros, e seus covis de despojos” (2,13). Deus poderá tolerar uma situação assim? Para o profeta a resposta é claramente negativa. A justiça e a fidelidade de Deus não o deixa abandonar seu povo que nele confia.
Por isso, o castigo de Nínive é necessário, o profeta o descreve com o sofrimento de um oprimido, sem “meias-medidas”; embora a profecia revele a profunda angustia de Naum, mostra-nos também que teorizar sobre a opressão é um coisa, mas sofrê-la na pele é bem outra. Descrevendo a queda dos impérios, canta-se o Senhor da história, que faz soar sua hora aos Impérios, a hora da libertação.
A mensagem central do livro em questão é de que nenhum sistema opressor é eterno. Com vistas a uma atualização da profecia de Naum rememoramos denúncia da Conferência de Puebla de que os povos latino-americanos sofrem “uma violência, que se pode chamar institucionalizada em diversos sistemas sociais, políticos e econômicos, quanto pelas ideologias que transformam em meio para a conquista de poder” (DP, 509).
A Igreja tem em sua essência a missão profética de anunciar, denunciar e consolar a humanidade, herdeira do povo de Israel encontrará no profeta Naum um referencial de militância em favor da vida do povo. É necessário considerar que como povo messiânico da Nova Aliança compreendemos o Primeiro Testamento sempre iluminado e plenificado pelo Segundo Testamento, neste Jesus exorta seus discípulos a amar o inimigos e a rezar por eles (cf. Mt 5, 44). A partir daí temos um novo prisma para interpretar Naum.
O Senhor Jesus disse: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Mt 9, 13), testemunhou que a única força transformadora capaz de desarmar o mal é o amor. O amor de Deus não fecha nossos olhos à realidade que é claramente injusta, mas muda nosso proceder perante a maldade.
Conservemos a santa indignação de Naum, colaboremos na conscientização dos homens e mulheres sobre os sistemas e ideologias injustas que ceifam vidas ou as desumanizam, sem perdermos a esperança da assistência de Deus e de sua fidelidade às suas promessas. Como bem nos lembrou o bispo profeta Dom Hélder Câmara: “Não pensem que Deus ajuda a miséria. Deus não aprova as injustiças. As injustiças são um problema nosso”.
Por fim, na iminência do período eleitoral acolhamos o apelo do papa Bento XVI em Aparecida: “Não há dúvida de que as condições para estabelecer uma paz verdadeira são a restauração da justiça, da reconciliação e do perdão. Dessa conscientização nasce a vontade de transformar também as estruturas injustas para estabelecer o respeito pela dignidade do homem, criado à imagem e semelhança de Deus... Como tive a ocasião de afirmar, a Igreja não tem como tarefa própria empreender uma batalha política, no entanto, também não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça” (DA, 546).

REFERÊNCIAS:

BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Tradução: Gilberto da Silva Gorgulhos (Coord.). 2. imp. rev. São Paulo: Paulus, 2003.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO (CELAM). Documento da Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 5. ed. 13 a 31 de maio de 2007. Tradução: Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2008.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO (CELAM). Documento de Puebla: a Evangelização no presente e no futuro da América Latina. III Conferência Geral do Episcopado Latino Americano. Texto oficial da CNBB. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1983.

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Como ler o livro de Naum: A História pertence a Javé. São Paulo: Paulus, 1998.

SICRE, José Luís. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.


* Aluno do quarto ano de teologia no Seminário Divino Mestre, Diocese de Jacarezinho. Texto produzido sob orientação do Prof. de Teologia Bíblica, Pe. Reginaldo Ghergolet.  

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