Doutrina Social da Igreja

on domingo, 7 de outubro de 2012


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR 
Temas de práxis pastoral – Doutrina Social da Igreja 
Aluno: Luiz Fernando de Lima 
Curso: Mestrado em Teologia 
Professor: Agenor Brighenti 
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Rerum Novarum, a primeira encíclica social 

No final do século XIX a sociedade se viu diante de uma nova realidade que grassava a vida e a forma de ser de todos os cidadãos. Saída do sistema feudal que perdurara por toda a Idade Média a partir do surgimento de uma nova classe, a burguesia, o mundo deparou-se à luz das Revoluções Industrial e Francesa com situações totalmente novas e inquietantes que necessitavam de respostas urgentes. 
Diante da chamada “questão social” que implicava na humanização da força de trabalho a ser empregada nas fábricas, várias reações podem ser contadas como investidas contra os efeitos nefastos do capitalismo há pouco surgido como sistema de governo. Dentre os mais variados movimentos, podem ser encontrados o Socialismo Utópico de Saint Simon, Fourier e Phoudhon que propunha ideais socialistas, o Sindicalismo nascido na Inglaterra nos inícios de 1800 e o Socialismo Científico de Marx e Engels que diferenciou-se do socialismo utópico por acreditar que as mudanças necessárias só se dariam por meio da revolução da luta de classes. No ambiente católico, surgiram também reações ao modo desumano que o trabalho era exercido nas fábricas; de um lado, encontra-se o Assistencialismo que repugna qualquer intervenção por parte da Igreja na questão social e considera a caridade assistencial a melhor forma para diminuir o problema; de outro, há o Catolicismo Social que advoga uma reforma social de tipo estrutural, estando – dessa forma - nas bases da primeira encíclica social.  
Pode-se compreender o que estava acontecendo, de um modo geral, nessa nova sociedade quando se percebe que nela agora há uma mentalidade nova chamada de liberal burguesa, novas possibilidades técnicas advindas de 1789 e recursos econômicos provenientes do lucro acumulado, o capitalismo. 
Quanto à hierarquia eclesial deve-se levar em conta que o Pontífice da época é Leão XIII, um homem para o qual nem tudo da Revolução Industrial era mau e que sabia que na sociedade já estavam arraigadas algumas realidades dificilmente alteráveis como, por exemplo, o proletariado e a perspectiva de uma ação mais social do que política por parte da Igreja. Surge então, a Rerum Novaruma encíclica de Leão XIII que trata sobre a condição dos operários.  
Antes de se falar propriamente do conteúdo da Rerum Novarum, é interessante observar como ela foi recebida em 1891, ano de sua publicação. A recepção não foi unânime uma vez que o Pontífice viu sua encíclica aclamada por uma grande parte dos católicos, tolerada, com reservas e murmurações, por outra, exaltada ou escarnecida, segundo as filosofias, fora do campo católico. Ao lado de tudo isso, apesar de todas as limitações de pensamento e de visão, a Rerum Novarum constitui-se no primeiro pronunciamento oficial do Magistério Católico sobre a questão social. 
Evidentemente, as propostas de Leão XIII devem ser lidas no seu tempo. Alguns temas constituem-se bases de toda a discussão social ao longo da encíclica: a crítica ao socialismo e ao capitalismo liberal, a propriedade privada como sendo de direito natural, a não necessidade de luta entre as classes, a posse e o uso das riquezas e a caridade como solução definitiva para os conflitos sociais. Juntam-se a estes grandes temas o papel da família e do Estado, as obrigações dos operários e dos patrões, a dignidade do trabalho, a “desordem” das greves, o benefício das corporações e associações. 
Partindo do princípio de que a sede de inovações e os progressos incessantes da indústria são fontes da miséria existente, Leão XIII estabelece sua crítica ao socialismo, uma vez que este estimula a desarmonia entre as classes e é utópico também ao pensar numa igualdade entre os cidadãos a partir da supressão da propriedade privada. Essa posição apologética tenta demonstrar que o socialismo não é a melhor forma de solucionar o problema (n. 2). A posição socialista causa muitos males que são elencados ao longo da primeira parte da encíclica: prejudica os próprios operários (n. 3); não é justo suprimir a propriedade privada, pois é para o homem de direito natural (n. 4-9); é contrário aos direitos naturais dos indivíduos, do Estado e ainda perturba a tranquilidade pública (n.9); perturba a harmonia e o perfeito equilíbrio mútuo entre as classes (n. 11). Quanto ao liberalismo, o posicionamento é mais brando, uma vez que ao admitir e defender o direito de propriedade privada e o dever do Estado em protegê-la (n. 23) posiciona-se mais perto deste do que do socialismo. Destoa do liberalismo ao afirmar o direito de associação, ainda que próximo do corporativismo (n. 31-36). 
Sobre a propriedade privada, a Rerum Novarum reconhece ao homem o direito estável e perpétuo de a possuir (n. 5), bem como sua posse é plenamente conforme à natureza (n. 6) e cabe às leis civis e religiosas a protegerem, uma vez que é “justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador” (n. 7). 
A respeito do conflito entre as classes que para o marxismo era não só necessário, mas inevitável, a encíclica propugna que o “homem deve aceitar com paciência a sua condição”, já que “é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível” (n. 11). Sendo necessárias diversas funções para o funcionamento da vida social, nasce, por conseguinte, a desigualdade das condições que só será sanada no mundo vindouro, onde não existirão estas calamidades (n. 11). Como se vê, para o Pontífice leonino o embate entre as classes não levará a lugar algum uma vez que a felicidade definitiva só será plena no mundo escatológico. Portanto, cabe concórdia e não luta! 
Quanto ao uso e posse das riquezas, diz o Papa que a posse é particular e o uso, universal. “Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou de sua família”, mas satisfeita a necessidade é um dever dar o supérfluo para os pobres (n.14). Este dever de dar esmola não é de justiça, mas de caridade (n. 11 e 37). 
Como se percebe, as indicações de soluções da Rerum Novarum estão embriagadas dos ideais da cristandade, que aliada aos maiores cobrava resignação dos menores. Os conflitos presentes no final do século XIX não eram advindos só da corrupção dos costumes, mas era fruto de um sistema selvagem que empobreceu os pobres e enriqueceu os ricos, impedindo uma concórdia entre a onipotência na opulência e a fraqueza na indigência. 
Algumas luzes, certamente, também são encontradas nesta primeira encíclica social como a não exclusão de um sindicalismo puro, ainda que não o indique; a preocupação com as mulheres e crianças nas fábricas; um salário que convém ao trabalho realizado; que pobres e ricos são, por direito natural, cidadãos; o papel da família que a encíclica define como sociedade doméstica, “sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda a sociedade civil” (n. 8)... 
Diante destas luzes apontadas e dos desafios apresentados, uma angústia ainda se faz presente ao perceber que muitos pontos tocados pela Rerum Novarum continuam gritando por socorro ou apenas foram abordados pela sociedade hodierna de forma paliativa: a família tão bem definida como sociedade doméstica, encontra-se depauperada por iniciativas pouco concordes com a sua promoção como contra valores apresentados em telenovelas, por exemplo; o trabalho infantil que preocupava Leão XIII em 1891 continua uma realidade na sociedade brasileira, sobretudo nas minas de carvão espalhadas por várias regiões deste vasto país; os sindicatos que floresceram durante certo tempo, hoje já não mais exercem com eficácia e eficiência seu papel por se colocarem mais ao lado do capital do que dos trabalhadores; a justa distribuição dos bens querida e desejada pela encíclica social leonina é uma realidade distante uma vez que a posse e o uso das riquezas estão muito longe de atingir o tão desejado equilíbrio; o salário que necessita ser justo ainda continua mínimo... Somente a esperança é que motiva a continuar a caminhada. Quiçá, ela nunca pereça! 
Enfim, a Rerum Novarum, apesar de todos os esforços, representa ainda que timidamente e de forma insipiente o ingresso da Igreja na discussão social. Lançando as bases de um Ensino Social da Igreja, inicia um envolvimento sempre mais crescente da Igreja católica com as questões sociais. 

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