Doutrina Social da Igreja

on terça-feira, 6 de novembro de 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
Temas de práxis pastoral – Doutrina Social da Igreja
Aluno: Luiz Fernando de Lima
Curso: Mestrado em Teologia
Professor: Agenor Brighenti
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MATER ET MAGISTRA, o alvorecer de novas perspectivas

No final da década de 1950, a Igreja do mundo todo conheceu a figura de um papa já idoso, pacato, bonachão e sorridente. Tratava-se de João XXIII que longe de passar para a história com as características acima mencionadas, ficou conhecido como o “papa bom”, aquele que teve a ousadia de abrir a Igreja de Cristo para o mundo moderno. O papa que era para ser de transição tornou-se do papa da transição.
Depois de uma longa era de cristandade, o concílio Vaticano II (1962-1965) instaura um novo jeito de ser Igreja a partir do diálogo e do serviço. Era uma nova sensibilidade se impondo por meio da figura carismática e audaciosa de João XXIII, que inspirado pelo Espírito de Deus reconcilia a Igreja com a modernidade.
O mundo não era mais o mesmo. Duas guerras já haviam devastado a Europa. A ciência tinha “presenteado” os homens com a bomba atômica. As questões sociais não eram mais as mesmas, o terceiro mundo despontava no horizonte. Fazia setenta anos que a sociedade tinha conhecido a Rerum Novarum, trinta anos que a Quadragesimo Anno viera a público, as mudanças previstas pelo concílio já convocado (25 de janeiro de 1959) precisavam ser antecipadas, eis o momento para uma nova encíclica de cunho social.
Em 15 de maio de 1961, o mundo conheceu a Mater et Magistra que já trazia novidade em seu título e nas suas primeiras linhas. Pela primeira vez em toda a sua história bimilenar a Igreja se apresentava como mãe antes de mestra. Providencialmente isso aconteceu no início da conturbada década de 1960, no contexto histórico da “Guerra Fria”, onde a Igreja viu-se obrigada a atualizar e a reafirmar o seu Magistério sobre as questões novas e antigas que ressurgiam com nova roupagem nos “anos 60”. Para além da Guerra Fria, destaca-se também nesta década vários acontecimentos importantes: a reconstrução após a Segunda Guerra Mundial (que "havia suscitado grande desenvolvimento de alguns povos e deixado outros no subdesenvolvimento") e "a descolonização da África".
Inserida, portanto, na tradição das encíclicas sociais precedentes, a MM está dividida em quatro partes, sendo a primeira aquela que resgata os ensinamentos da RN e os oportunos ensinamentos de Pio XI e Pio XII no campo social. A segunda parte se propõe a fazer algumas aclarações e ampliações dos ensinamentos da RN, possibilitando, assim, uma análise dos novos aspectos da questão social contemplados na terceira parte. A temática da renovação das relações de convivência na verdade, na justiça e no amor completam os assuntos abordados (4ª parte) na primeira encíclica social de Ângelo Roncalli.
Justificando o dever da Igreja de ocupar-se de todos os problemas da vida cotidiana por causa da doutrina integral de Cristo, a MM, em relação aos ensinamentos anteriores, procura expor com mais clareza o pensamento da Igreja na questão social.
No campo científico e tecnológico, a MM cita o uso da energia nuclear; o surgimento dos produtos sintéticos; a automação; o desenvolvimento das comunicações; a rapidez crescente dos meios de transporte; a modernização da agricultura; e o início da conquista dos espaços interplanetários (MM 44).
No campo social, fala da difusão dos seguros sociais e da previdência social; a maior responsabilidade dos sindicatos perante os problemas econômicos e sociais; crescente mobilidade social; o interesse do homem de cultura média pelos acontecimentos diários de repercussão mundial; o grande desnível entre zonas economicamente desenvolvidas e outras menos desenvolvidas dentro de cada país e ainda grande desnível entre os países desenvolvidos de então e os em vias de desenvolvimento (MM 45).
No campo político,  os temas de maior relevância são a independência política dos povos da África e da Ásia e o declínio dos regimes coloniais (MM 46).
Algumas outras temáticas são desenvolvidas e alargadas em relação aos ensinamentos anteriores como a subsidiariedade; a socialização  que entendida como a multiplicação progressiva das relações dentro da convivência social, comportando a associação de várias formas de vida e de atividade, e a criação de instituições jurídicas (MM 56), tem numerosas vantagens (MM 58); a justiça e a equidade que devem versar na remuneração justa do trabalho, uma vez que “o progresso social deve acompanhar e igualar o desenvolvimento econômico, de modo que todas as categorias sociais tenham parte nos produtos obtidos em maior quantidade” (MM 70); a estrutura econômica que também deve ser justa e priorizar pela participação de todos sejam nas grandes estruturas, nas empresas artesanais e nas cooperativas; ainda trata da propriedade privada e sua função social, que deriva da natureza mesma do direito de propriedade (MM 117).
Quanto aos aspectos recentes da questão social, a MM toca na relação trabalhadores e empresários e nas relações entre distintos setores da economia. Dedica vários números (120-149) para o setor agrário. Ainda apresenta o desequilíbrio entre população e meio de subsistência; e as relações entre as regiões de desigual desenvolvimento que conforme o n. 154 talvez seja o maior problema da época moderna.
Como se nota, a MM acentua o caráter de continuidade e inovação do patrimônio da doutrina social da Igreja. No entanto, o método de análise desta encíclica de 1961 difere dos anteriores por optar adotar a realidade como ponto de partida da reflexão, através do “ver-julgar-agir”. Em se tratando de novidade a MM destaca dois fenômenos: a socialização (59-67) e sua ambiguidade, já que tanto pode anular a pessoa, como pode e deve oferecer-lhe inumeráveis oportunidades de enriquecimento; e a desigualdade premente em todos os níveis, que tripartiu o mundo em países do primeiro, do segundo e do terceiro mundo.
Apesar de alguns anos já terem passado, o ensinamento da MM ainda continua atual em muitos pontos, de modo que ilumina o tempo de hoje. A querida preocupação com o setor agrícola exacerbou-se de tal forma que com a criação das sementes transgênicas, quase nenhum pequeno agricultor permanece no campo, inchando os centros urbanos. Esse êxodo talvez seja uma das causas da demasiada violência e das condições inumanas que muitos vivem, sobretudo nas grandes cidades. Outra preocupação sentida tanto outrora como hoje se constitui no mau uso das descobertas científicas, que acabam por turvar a dignidade humana em muitos aspectos e situações. O espírito hedonista, a pobreza gritante, os salários injustos, as condições indignas de trabalho, etc. se enquadram neste rol de preocupações atuais que a MM pode iluminar.
Entre o contraste flagrante do progresso científico e técnico e o regresso dos valores humanos, a MM tenta levar a cabo a missão de imprimir um caráter mais humano e cristão ao mundo de hoje.

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