Doutrina Social da Igreja

on terça-feira, 6 de novembro de 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
Temas de práxis pastoral – Doutrina Social da Igreja
Aluno: Luiz Fernando de Lima
Curso: Mestrado em Teologia
Professor: Agenor Brighenti
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PACEM IN TERRIS, a carta dos direitos humanos da Igreja

Apenas dois anos após a Mater et Magistra, João XXIII impulsionado pelas expectativas que marcaram os inícios dos anos 60 e um pouco antes de falecer faz vir a público sua segunda encíclica de cunho social no dia 11 de abril de 1963, a Pacem in Terris.
Este documento interpola-se entre as primeiras discussões do Concílio Vaticano II, iniciado a pouco em 11 de outubro de 1962. Na Igreja, portanto, pulsava desmesuradamente o fervor por uma renovação à modernidade, fervor este sobrepujado pelos setores mais conservadores. No campo social, a Guerra Fria fazia-se sentir sobremaneira. O medo rondava a sociedade e uma iminente guerra parecia estar logo adiante, já que dois anos antes da publicação da PT o Muro de Berlim havia sido construído e nos inícios de 1963 há a Crise dos Mísseis em Cuba. A encíclica que tem como pano de fundo, portanto, este cenário só poderia ter como temática principal a paz.
João XXIII ao tratar do tema da paz alarga seu horizonte, fazendo perceber que a paz verdadeira não é apenas ausência de guerra ou conflitos, mas é aquela inserida dentro do plano de Deus. A Pacem in Terris realçou, por conseguinte,  o tema da paz, numa época marcada pela proliferação nuclear e pela disputa perigosa entre os EUA e a URSS (a Guerra Fria). Através desta encíclica, a Igreja refletiu profundamente sobre a dignidade, os deveres e os direitos humanos, enquanto fundamentos da paz mundial. A PT, completando o discurso da Mater et Magistra, sublinhou a importância da colaboração entre todos: é a primeira vez que um documento da Igreja é dirigido também a “todas as pessoas de boa vontade”, que são chamadas a uma imensa tarefa de recompor as relações da convivência na verdade, na justiça, no amor, na liberdade.
Esquematicamente, a PT está dividida em 5 partes. A primeira parte é uma reflexão aprofundada dos direitos e deveres da pessoa humana, enquanto fundamentos da paz. Por sua vez,  a segunda parte aborda as relações entre os indivíduos e os poderes públicos, em cada comunidade política. João XXIII considera que a autoridade vem de Deus, mas que deve ser sempre orientada para a promoção do bem comum e dos direitos humanos. A terceira parte reflete sobre as relações entre as comunidades políticas entre si, baseando-se principalmente em problemas concretos, como o das minorias (94-97), o dos refugiados políticos (103-108), o do desarmamento (110) e o dos povos subdesenvolvidos (123). O fundamento desta reflexão é a existência de direitos e deveres internacionais, que se fundamentam nas normas de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. Prosseguindo gradualmente na sua reflexão, a PT tem a sua quarte parte muito ligada à terceira e analisa as relações dos indivíduos e das comunidades políticas com a comunidade mundial, preconizando a instituição de uma autoridade pública universal (132-138) e afirmando o princípio da subsidiariedade, em que as pequenas comunidades possam exercer livremente as suas atribuições dentro da linha do bem comum (140). Por fim, a  quinta parte tem um forte caráter pastoral: João XXIII recomenda a participação de todos os cidadãos na vida pública; a competência científica, técnica e profissional dos responsáveis; a inspiração cristã das instituições encarregadas do bem temporal; e a colaboração dos católicos no setor socioeconômico-político (146-160). Chama atenção nesta nesta última parte da encíclia seu aspecto ecumênico, pois tal como no início exorta a “todos os homens de boa vontade” a restaurarem as relações de convivência humana, tendo como objetivo a consolidação da paz na terra.
Ao contrário de Pio XII que havia tecido duras críticas à “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, promulgada em 1948 pela ONU, João XXIII inicia a PT advertindo que todo homem tem direito à “existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida”. Tem ainda direito à educação e também de honrar a Deus segundo dos ditames da reta consciência, como a tantos outros direitos, que atrelados aos deveres, encontram “na lei natural que os outorga ou impõe, o seu manancial, a sua consistência, a sua força inquebrantável”.
Diante de um mundo em constante tensão, a PT propugna uma convivência humana fundamentada na verdade, na justiça e na liberdade, considerando a mesma uma realidade eminentemente espiritual.
Ao analisar sua época, Ângelo Roncalli elenca três fenômenos que a caracterizaram: a gradual ascensão econômica-social das classes trabalhadoras; o fator por demais conhecido do ingresso da mulher na vida pública; e a independência política dos povos. Ainda como temas abordados pela PT, têm-se o bem comum, a constituição jurídica da sociedade, as diferenças como pressupostos para o exercício do bem comum...
Perpassada de auto a baixo pela afirmação da dignidade humana e o respeito pelos direitos humanos, a PT trata de algumas questões delicadas de modo magistral como nunca antes visto. A sobriedade e a segurança, por vezes, chegam a ser chocantes ao apontar, por exemplo, a inutilidade da guerra para dirimir os conflitos entre as nações; ao assumir o regime democrático; ao pedir o desarmamento, inclusive da própria consciêcia; ao abrir-se ao diálogo com todos os homens de boa vontade; ao anunciar que a construção da paz, tanto nacional quanto internacional, é tarefa de todos; ao convocar todos os cristão a uma participação ativa na vida política; ao denunciar a insuficiência da ONU como gerenciadora da paz; ao facultar para as mulheres o trabalho em condições adequadas; ao apontar o problema dos refugiados políticos; ao estabelecer que a condição de paz entre as nações está na confiança mútua, na sinceridade dos tratados e na fidelidade aos compromissos assumidos...
Para os dias de hoje, a luz emanada da PT continua viva e florescente, uma vez que muitos direitos ainda não são respeitados. O sentimento de pertencimento à família humana contrasta com a negação de vistos para entrada em muitos países. Está-se longe de compreender que a participação na vida política deve visar o bem comum de todos e não próprio. A tão querida interdependência entre os países está refém hoje de um neocolonialismo que se faz, sobretudo, pelas dívidas externas...
Oxalá, os ensinamentos da PT sejam ouvidos e assim, transformem a todos os “homens de boa vontade” em testemunhas da verdade, da justiça e do amor fraterno.




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