Doutrina Social da Igreja

on terça-feira, 6 de novembro de 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
Temas de práxis pastoral – Doutrina Social da Igreja
Aluno: Luiz Fernando de Lima
Curso: Mestrado em Teologia
Professor: Agenor Brighenti
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QUADRAGESIMO ANNO, 40 anos depois...

Quarenta anos após a publicação da Rerum Novarum, a sociedade novamente se viu atrelada a questões sociais que pediam uma nova intervenção por parte da Igreja institucional. Muita coisa havia mudado desde 1891. O século XX mal tinha começado e a Europa já havia passado por uma guerra que devastou muitas nações e suprimiu muitas vidas.
De modo particular, a primeira metade do século XX foi marcada além das guerras ditas mundiais (a primeira em 1914-1919 e a segunda 1939-1945), pelo surgimento dos chamados regimes totalitários na Europa central como o fascismo de Mussolini e nazismo de Hitler, bem como o comunismo na Rússia. Somado a essa explosão de expectativas frente a esses regimes, o capitalismo logo nas três primeiras décadas do século havia encontrado um crescimento exacerbado que acabou culminando com a sua quase derrocada em 1929 com a quebra da bolsa de Nova Iorque.
No cenário eclesial, as indicações da encíclica social leonina ainda se faziam ouvir, mas já sem tanto entusiasmo e força uma vez que em pouco tempo a sociedade mudara sobremaneira. O Pontífice nos inícios dos anos 30 era Pio XI que havia conseguido junto a Mussolini resolver a chamada “questão romana” com o Tratado de Latrão e inaugurado a Rádio Vaticana em 1931, ano em que também publica sua encíclica social em comemoração aos quarenta anos da Rerum Novarum.
A Quadragesimo anno, por conseguinte, foi motivada pela Grande Depressão de 1929 e por ocasião dos quarenta anos da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII. Grosso modo, este documento reitera a condenação do comunismo, faz também forte crítica do socialismo, inclusive do "socialismo moderado" e o considera inteiramente incompatível com a prática e a fé católica. Condena, ainda, os abusos do capitalismo e do livre mercado, a concentração de renda e de poder e afirma que sem justiça social e a caridade e sem atenção à reta razão e aos preceitos evangélicos não se terá uma ordem econômica justa. Chama a atenção do papel do Estado para estabelecer regras e coibir os excessos do livre mercado.
Tendo como pano de fundo a Rerum Novarum que ensinou à família humana a empreender novos caminhos no terreno social (QA 9), a encíclica de Pio XI está dividida em três partes: na primeira analisa os frutos da RN; na segunda evidencia alguns pontos da doutrina econômica e social da Igreja que devem ser ampliados; e na terceira apresenta algumas justificativas e soluções para o estado atual (1931) da sociedade. Estes são os mais evidentes pontos da QA que poderiam ser ditos de outro modo: a) recordar os benefícios da RN; b) defender a DSI, satisfazendo dúvidas e desenvolvendo alguns pontos; c) apontar a raiz do mal estar da sociedade contemporânea.
Temas de especial relevo são encontrados ao longo de toda encíclica. De modo especial se percebe a análise acurada que faz da RN, atribuindo à encíclica leonina a motivação inicial para que surgisse, sobretudo, a partir dela uma verdadeira ciência social católica (QA 20). Ao falar da restauração da ordem social, a QA descreve nos números 79 e 80 o princípio de subsidiariedade, talvez a sua maior contribuição. A análise realizada a partir do número 100 das principais mudanças ocorridas na sociedade a partir de Leão XIII mostra a evolução da economia e como os sistemas capitalista e socialista são insuficientes para encaminhar o ser humano em busca de sua plena realização. A estes temas somam-se muitos outros: a ação da Igreja no campo social; as associações operárias, não operárias e de industriais; o direito de propriedade; os poderes do Estado; a relação capital/trabalho; a questão salarial; o caráter individual e social do trabalho; a proibição das greves; a reforma dos costumes; a lei da caridade, entre tantos outros.
Em relação à RN, o que se percebe é uma ampliação dos temas. Basta olhar o direito de propriedade que na QA é reafirmado, mas se acrescenta agora que seu direito é distinto do seu uso. Em relação aos poderes do Estado agora se diz que é seu papel descrever os deveres de domínio da propriedade. Continua-se falando do dever dos ricos de darem esmolas, mas a isso soma-se o ideal de que empregar o capital disponível para o bem é louvável. Outro tema ampliado em relação à RN diz respeito aos proletários que não se encontram mais em situação tão horrenda de pauperismo como há tempos atrás. Quanto ao salário deve-se levar em conta o sustento do operário e da sua família, a situação da empresa em que se trabalha e as exigências do bem comum. Refuta ainda a QA a livre concorrência, pois “como não se pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim a reta ordem da economia não pode nascer da livre concorrência de forças” (QA 88).
Avaliando a sociedade atual como quase recaída no paganismo (QA 140), Pio XI recomenda que se deve formar “soldados auxiliares da Igreja” na questão social. Solenemente a encíclia proclama: “os primeiros e imediatos apóstolos dos operários devem ser os operários; os apóstolos dos artistas e comerciantes devem sair dentre eles” (QA 140).
Apesar de muitos anos a QA continua tendo sua vitalidade mantida por apresentar temáticas que ainda hoje merecem ser discutidas e, assim, se tornam tão atuais como antes. Basta perceber que os salários ainda hoje continuam injustos; a desejada restauração dos costumes transformou-se numa verdadeira transvalorização dos valores; diante da justa distribuição dos bens o que se vê são ricos nadando em riquezas e pobres, vítimas da fortuna adversa; o despotismo do capitalismo também continua...
Enfim, a QA faz parte deste rico patrimônio da Igreja na questão social. Ao celebrar os quarentas anos da RN alertou a sociedade quanto aos regimes totalitaristas da primeira metade do século XX e conclamou a todos para uma restauração da ordem social.

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