Doutrina Social da Igreja

on sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ - PUCPR
Temas de práxis pastoral – Doutrina Social da Igreja
Aluno: Luiz Fernando de Lima
Curso: Mestrado em Teologia
Professor: Agenor Brighenti
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LABOREM EXERCENS, o trabalho é chave da questão social

Em 1978, quebrando uma “tradição” de longa data, a Igreja viu um polonês assumir o leme da barca de Pedro, trata-se de João Paulo II, um papa jovem, carismático e midiático. Logo no terceiro ano de seu pontificado, percebendo que a sociedade não mudara muito desde a OA, já que grassava no horizonte ainda o pluralismo, a secularização, o empobrecimento e a manipulação dos povos, publicou sua primeira encíclica social, a Laborem Exercens, em 1981, comemorando os noventa anos da Rerum Novarum. 
A LE, dirigida a todos os homens de boa vontade, tem como foco principal apenas uma temática: trata-se da questão do trabalho, entendido como uma das características que diferenciam o homem das demais criaturas. Justificando a escolha deste tema, João Paulo II logo no nn. 1 diz que “o trabalho é um desses aspectos, perene e fundamental e sempre com atualidade, de tal sorte que exige constantemente renovada atenção e decidido testemunho”.
Tendo como pano de fundo a sociedade industrial e o conflito capital/trabalho, a LE tem diante de si um tempo que se caracteriza pela “introdução generalizada da automação em muitos campos da produção; o aumento do custo da energia e das matérias de base; a crescente tomada de consciência de que é limitado o patrimônio natural e da sua insuportável poluição; e o aparecimento, no cenário político, de povos que, depois de séculos de sujeição, reclamam o seu legítimo lugar no concerto das nações e nas decisões internacionais” (nn.1).
A encíclica está dividida em quatro partes. Consta de uma introdução que apresenta o problema do trabalho, chave da questão social. Logo em seguida, reflete sobre o trabalho e o homem, apontando para uma diferença no sentido objetivo (técnica) e subjetivo (o homem-sujeito do trabalho) do trabalho, que se não for bem compreendida gera uma ameaça à hierarquia dos valores, uma vez que a dignidade da pessoa entra em jogo. O conflito entre trabalho e capital na fase atual da história é o tema da segunda parte, desenvolvido a partir do entendimento deste conflito e da prioridade do trabalho, que quando não acontece torna-se causa de “economicismo” e materialismo. Na terceira parte se fala dos direitos dos homens do trabalho, indicando de modo concreto algumas questões como o problema de emprego, o salário, os sindicatos, a dignidade do trabalho agrícola, a pessoa deficiente e a emigração. A LE termina apresentando alguns elementos para uma espiritualidade do trabalho.
Para o Papa Woityla, “a Igreja está convencida de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra” (nn. 4), pois a ele cabe submetê-la, conforme o livro do Gênesis (cf. Gn 1,28). O trabalho humano tem seu valor ético uma vez que é como pessoa que o homem é sujeito do trabalho. Não importa o trabalho que se realize, ele tem o seu valor, porque “o fundamento para determinar o valor do trabalho humano não é em primeiro lugar o gênero de trabalho que se realiza, mas o fato de aquele que o executa ser uma pessoa” (nn. 6).
Faz menção também João Paulo II no nn. 11 das condições de insegurança a que muitas vezes o trabalhador está submetido, condições essas que se contrapõem ao dever humanizador que o trabalho possui. Ao falar do “economismo” apresenta o primado da pessoa sobre as coisas.
Uma pergunta inquietante talvez seja essa: Por que trabalhar? Levando em consideração este anseio do homem, a LE no nn. 16 responde: “o homem deve trabalhar, quer pelo fato de o Criador lho haver ordenado, quer pelo fato da sua mesma humanidade, cuja subsistência e desenvolvimento exigem o trabalho. O homem deve trabalhar por um motivo de consideração pelo próximo, especialmente consideração pela própria família, mas também pela sociedade de que faz parte, pela nação de que é filho ou filha, e pela inteira família humana de que é membro, sendo como é herdeiro do trabalho de gerações e, ao mesmo tempo, co-artífice do futuro daqueles que virão depois dele no suceder-se da história. Tudo isto, pois, constitui a obrigação moral do trabalho, entendido na sua acepção mais ampla”.
É claro que ao falar sobre o trabalho, o Papa toca em assuntos como o desemprego, os justos salários, família, a importância dos sindicatos que tem a finalidade de defender os interesses vitais dos homens empregados nas diferentes profissões, o mundo agrícola que proporciona à sociedade os bens necessários para sua sustentação cotidiana, os emigrantes reconhecendo a eles o direito de deixar o próprio país de origem por vários motivos, bem como de retornar a eles...
De particular interesse, parecem ser alguns temas elencados na LE que representam sua contribuição mais original para a DSI. O primeiro deles é a afirmação da prioridade da pessoa humana, em todos os sentidos, sobre o capital. O problema da propriedade ganha aqui especial destaque ao admitir que independente de ser ela pública ou privada, precisa estar a serviço da pessoa; no nn. 14 se lê: “o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens”. Talvez seja essa a grande novidade.
Ainda duas situações merecem especial atenção: a preocupação de João Paulo II pela inserção dos deficientes (especiais) no mercado de trabalho, uma vez que são pessoas como todos os outros homens (cf. nn. 22); e a promoção de uma espiritualidade do trabalho, suscetível de ajudar todos os homens a se aproximarem de Deus (cf. quarta parte).
Para os dias de hoje, a LE continua sendo uma luz, sobretudo, ao ensinar e mostrar que o trabalho é a chave de toda a questão social. O “submeter a terra” ainda é entendido como depredação e exploração incontinente e inconsequente da natureza. A inclusão social no mercado de trabalho dos especiais continua muito tímida. As propriedades se apresentam subordinadas aos interesses próprios e de mercado, estando muito longe de se colocarem a serviço da pessoa. Os emigrantes mais do que nunca continuam explorados em muitos setores e regiões, basta pensar nos haitianos no Brasil...
Por conseguinte, ao comemorar os noventa anos da Rerum Novarum, João Paulo II iluminou a doutrina social ao apontar caminhos para um trabalho realizador da pessoa humana. Oxalá, essa luz permaneça sempre acesa em cada coração!

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